TESOUROS  DE  XISTO

Tamanho do texto Reduzir letra Aumentar letra

João Morais"As Aldeias do Xisto foram consideradas uma das três melhores «Viagens Descoberta 2008», pela revista alemã Geo Saison. Entre Coimbra e Castelo Branco, uma rede de 24 aldeias guarda memórias e tradições únicas.
Fiz-me ao caminho. Percorri 1300 quilómetros, entre giesta e urze, e visitei oito aldeias, pelas serras do Açor, Lousã e Gardunha. Descobri um sino que, uma vez por ano, toca duas horas seguidas e apanhámos ouro no Ocreza. Falei com velhos e novos habitantes, vi veados e fui ao bodo a Janeiro de Cima onde, na festa anual, a comida é oferecida a quem aparece" - Palavras do repórter João Morais, com que nos apresenta o seu trabalho.

Foto: João Morais / TSFEm 11 de Abril de 2008, a TSF, efectuou um interessante trabalho sobre as Aldeias do Xisto, cobrindo um longo percurso para nos dar conta das nossas riquezas histórico-paisagísticas numa grande reportagem da responsabilidade de João Morais, com montagem e sonorização de Herlander Rui.

Para ver as imagens que dispomos desta viagem-aventura, no breve resumo que lhe preparámos, por favor, carregue sobre os links que aparecem no texto (a roxo) e, no final, oiça a reportagem radiofónica, na sua totalidade, para reviver as sensações dos tempos em que, não havendo televisão, a gente dava trabalho à imaginação, vibrando com as palavras e os sons, do narrador, das pessoas intervenientes, e de todos os barulhinhos ou efeitos sonoros do ambiente criado.

A visita começa nas terras altas da Serra da Lousã, na Cerdeira, onde nos é dado conta do seu actual estado de desertificação e como ocupam o tempo os seus 5 habitantes residentes que ainda valorizam o ar puro, o canto dos passarinhos, o manso murmurar do ribeiro sobre o leito de xisto e a cor verde dos campos. Kerstin Thomas, imigrante alemã, conta-nos como o livro de Miguel Torga "Vindima", traduzido em alemão, lhe despertou o seu interesse por Portugal, quando ainda estava na Alemanha, e porque depois de vir para cá, não pensa em de cá sair, ocupando o seu tempo com escultura e artesanato em madeira, não prescindindo, porém, do telefone, da TV e da Internet.

A viagem segue para outra aldeia serrana, o Candal, onde nos é contado como as condições adversas de vida, naquela terra, fizeram emigrar a sua população para Lisboa, para o Brasil e para a América, reduzindo-a às actuais 3 pessoas.

Em Gondramaz, uma pequena aldeia de Miranda do Corvo, com 5 casas habitadas e 8 residentes, ainda se fazem pequenas esculturas em pedra xistosa e o seu autor, Carlos Rodrigues, gosta de receber no seu "Ninho d'Arte", quem vem de fora e aprecia a sua obra. No Talasnal, com 3 habitantes, a "Ti Lena", uma senhora com 81 anos de idade, ainda espanta das suas culturas, os veados e os javalis, à pedrada. Aqui existe um restaurante que só abre ao fim-de-semana, mediante reserva, um café e a loja dos "talasnicos", bolo de castanha e mel, típico da região.

O passeio continua pela Fraga da Pena onde provam a água cristalina da ribeira, alegadamente pura, e onde Alfredo Martins, presidente da Junta de Freguesia da Benfeita exalta o bucolismo, a pureza e a graciosidade do local. O grupo detêm-se, depois, na Benfeita, uma das maiores das actuais 24 Aldeias do Xisto, onde é assinalada a rápida baixa populacional e o envelhecimento dos seus actuais residentes. A conversa aborda a Torre da Paz e o célebre sino que assinalou o fim da guerra na Europa e que, anualmente, a 7 de Maio repica durante mais de duas horas. Entrevistado numa Unidade de Cuidados de Saúde, em Arganil, António "Mina" explicou o início das badaladas do Sino da Paz, em 1945, e como desde então o tratou, continuando a ouvir-se a mesma história (errada, por sinal!) de que a segunda guerra mundial durou apenas 1620 dias, a que correspondem as 1620 baladadas do Sino da Paz.

Melanie Maier, cidadã alemã, enfermeira de profissão, no seu país de origem, agora residente na Benfeita, explica porque razão optou em ficar por cá, com a sua família, e porque pensa nunca mais de cá sair; ocupando o seu tempo fazendo artesanato em feltro e tratando da terra com a sua família, tendo salientado a forma cordial como são acarinhados pela população local, enaltecendo a paz e a tranquilidade da vida nesta aldeia, em contraste com o corre-corre vertiginoso da vida no seu país.

A viagem prossegue para Janeiro de Cima, no Fundão. Conta a lenda, que esta aldeia não tinha Santo padroeiro e que, para enfrentarem uma epidemia de peste que ali grassou, em meados do século XVIII, entre 1757 e 1760, foram pedir auxílio a São Sebastião, santo padroeiro de Janeiro de Baixo, aldeia vizinha, situada no outro lado do rio Zêzere, mas já no concelho da Pampilhosa da Serra. A imagem do santo foi, então, levada para Janeiro de Cima para uma festa em sua homenagem, tendo-lhe sido prometida uma capela, em troca do fim daquela desgraça que dizimava famílias completas. Depois da festa, a imagem do santo foi devolvida à procedência e, São Sebastião, fez por merecer uma nova capelinha com uma nova imagem e, todos os anos, a 20 de Janeiro, ainda se celebra o dia de festa de Janeiro de Cima que, como manda a tradição, "quem por lá passar, come e bebe sem pagar" - é o bodo de S.Sebastião em que se oferecem merendas de pão e vinho para celebrar a tradição e afastar a doença.
Nesta terra, trabalho não falta para a Cooperativa "A Casa das Tecedeiras", localizada num edifício de xisto, de dois andares, cuidadosamente recuperado e onde 11 senhoras não têm mãos-a-medir para satisfazer todas as encomendas de artefactos, em linho, feitas pelas Lojas das Aldeias do Xisto e para venda directa aos turistas passantes.

Passam, depois por Figueira, em Proença-a-Nova, a aldeia mais recente na rede das Aldeias do Xisto, onde algumas pessoas ainda se lembram dos ataques dos lobos à aldeia, e dos cuidados que tinham de tomar, barricando as estreitas ruas com estranhas portas, para deixar tudo fechado à noite.

Esta aventura termina na Foz do Cobrão, uma aldeia em Vila Velha do Ródão, onde se fala no antigo hábito de garimpar oiro nas areias das margens do rio Ocreza e onde Manuel Gonçalves, um antigo garimpeiro, alega ter conseguido trazer à luz do dia umas finas palhetas do precioso metal; porém, nada se conta sobre pessoas que, alguma vez, tivessem ficado ricas com aquela ocupação.

Agora, oiça a reportagem, que merece a pena!

Nota:

Se pretender ouvir a reportagem na íntegra, que demora cerca de 38 minutos (que parecem voar), carregue neste link: Benfeita na TSF e só precisa ter ligado o som do seu computador. Se, por qualquer motivo, o link não funcionar, experimente este outro alternativo: MyPodCast.

Vivaldo Quaresma - Abril 2008