O FIM DA GUERRA |
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ARGANIL(1) 1620 badaladas pelo fim da II Guerra Sino da Paz, “único sinal na Europa” que evoca o armistício de 1945, volta hoje a tocar durante duas horas, em Benfeita João Fonseca Logo à tarde, “quando forem duas horas”, António Mina estará na Torre de Santa Rita para, pelo 56º ano consecutivo, assegurar que o Sino da Paz, em Benfeita (sede de freguesia do concelho de Arganil), cumpra o seu dever: tocar durante “quase duas horas”, isto é, durante o tempo que demora a bater 1620 badaladas – uma por cada um dos dias que durou a II Guerra Mundial(2) – e, assim, assinalar o fim do conflito iniciado em Setembro de 1939. A Torre de Santa Rita, outrora designada de Salazar e também conhecida por Torre da Paz, com o seu sino, relógio e mecanismo que permite, uma vez por ano, dar os tais 1620 toques da comemoração é o “único sinal em toda a Europa a recordar a efeméride”, garante quem ali vive, citando, inclusivamente, investigadores da história do monumento, mandado construir por Mário Mathias, “ilustre benfeitense” e “funcionário superior do Ministério do Interior”, quando, alguns meses antes, começou a “adivinhar” a paz, conta António Martinho, presidente da junta de freguesia.
“Vinha com um molho de lenha por aí fora”, recorda António Mina, apontando para a outra margem da ribeira do Carcavão, quando ouviu o sino tocar. “Comecei a correr e só parei na torre”. Depois de convencer o então presidente da junta de freguesia, Alfredo Oliveira, a deixá-lo tomar conta do badalo, o sineiro continuou a anunciar a “boa nova” e só parou quando “os braços já não aguentavam mais”. Foi “rendido por outro rapaz” e, recorda ao DN, nessa altura já “tinham rebentado muitos foguetes” e preparava-se “uma jantarada de truz na taberna do António Dias”. Nessa noite ninguém se deitou. A II Guerra Mundial acabou. Benfeita ouviu, feliz, o Sino da Paz e
compreendeu, desde logo, o significado da Torre de Santa Rita, erguida
a meio da escadaria que leva a aldeia até ao Santuário da Senhora
das Necessidades. Barbeiro e carteiro na sua terra ou fora dela, mas sempre zeloso sineiro, relojoeiro e guarda da torre e suas memórias. Nunca foi preciso chamar um técnico, “nunca este mecanismo levou uma única peça nova”, garante, enquanto dá corda ao aparelho, rodando uma manivela que, ritmada e lentamente, eleva os dois blocos de granito, que funcionam como “pesos” do relógio. Para além da cuidada manutenção garantida por António Mina, o mecanismo “só precisa de corda duas vezes por semana”, para “dar horas e as meias horas certas”. E mesmo que o sineiro não suba, hoje à tarde, a escada em caracol, com degraus de madeira, que dá acesso ao equipamento, este, “está pronto a disparar, às duas horas, as 1620 badaladas”, assegura, explicando o papel de uma “roda dentada 365 vezes”. Nos anos bissextos é necessário, no entanto, intervir para que a efeméride seja lembrada no dia certo: basta, diz revelando o segredo, “fazer com que a roda recue um dente”. Telefonema do Porto marca hora da festa “Soubemos do fim da Guerra antes de Lisboa”, diz António Mina, recordando o telefonema que, às duas da tarde de 7 de Maio de 1945, um funcionário de uma empresa inglesa do Porto fez para a sua mulher, natural e residente na Benfeita. Em Portugal “ainda quase ninguém tinha conhecimento da boa nova” e já o sino da Torre de Santa Rita anunciava a paz, conta o sineiro, sem disfarçar algum orgulho por pertencer ao grupo restrito de portugueses que soube do armistício antes da maioria e, sobretudo, por festejar e anunciar o sucedido tocando o sino. É por isso, explica António Martinho, presidente da junta de freguesia, que, desde então e sempre que se completa mais um ano sobre o fim do conflito, o Sino da Paz começa a disparar as 1620 badaladas àquela hora. Recuperação da aldeia “restaura” torre Subscrição pública foi insuficiente para aumentar altura ao monumento, que ficou, até, sem cúpula João Fonseca O “monumento que serve de padrão” para assinalar, na Benfeita, o “termo da catástrofe que ensanguentou quase toda a Europa”, foi idealizado nos finais de 1944, por Mário Mathias. Projectava, porém, uma torre mais alta e mais rica que aquela que acabou por ser feita, em alvenaria de xisto e granito, em pleno centro da aldeia que desce, por uma encosta da serra do Açor, até às ribeiras do Carcavão e da Mata. O receio de que a estrutura não suportasse mais que os três pisos que possui e a falta de verbas (a obra foi essencialmente custeada pela subscrição pública aberta para o efeito) determinaram que a Torre da Paz não subisse mais alto e ficasse sem cúpula, recorda ao DN, António Martinho, autarca da Benfeita. Mas, nem por isso deixa de cumprir a sua função ou de justificar o orgulho que os benfeitenses, sobretudo os que viveram os tempos da II Guerra, têm nela. O monumento vai, aliás, ser alvo de restauro, no âmbito de um programa de recuperação da aldeia vizinha da Reserva Natural da Mata da Margaraça, por iniciativa da Câmara de Arganil e Comissão de Coordenação da Região Centro, com apoios comunitários. O projecto, coordenado pelo Gabinete Técnico de Arganil, prevê intervenções em edifícios da arquitectura religiosa e civil, pública e privada. Designadamente na capela que, ao lado da torre, parece explicar a mudança do nome da terra – Benfeita chamava-se Vale Verde(4). Assim que ficou concluído, o edifício octogonal mereceu os maiores aplausos, sendo unânime a ideia de que, de facto, se tratava de uma obra “bem feita”.
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