A  TORRE  DA  PAZ

António de Oliveira SalazarO Discurso da Vitória!

Já a Benfeita festejara a 7 de Maio, alegre e ruidosamente, o fim da guerra na Europa, entre foguetes, aplausos e badaladas do Sino da Paz, quando a voz do Presidente do Conselho, Dr. Oliveira Salazar, se fez ouvir, no dia seguinte, na Assembleia Nacional, numa comunicação ao país ansiosamente aguardada por todos.

Bendigamos a Paz! Bendigamos a Vitória! Foram estes os votos do Presidente do Conselho que ficaram registados na memória dos Benfeitenses e que o Dr. Mário Mathias mandou perpetuar no mecanismo do relógio que mandou construir para instalar na Torre Salazar, para celebrar todos os anos o fim da guerra na Europa, tocando automaticamente os seus alegres repiques no Sino da Paz.

Salazar não queria ruidosas manifestações de alegria porque o mundo estava demasiadamente ensopado de sangue e lágrimas, enquanto o nosso país tinha conseguido atravessar o conflito sem dele termos participado, e sem nele sacrificarmos mais do que dinheiro, esforços, cuidados e algumas privações. E acabou resumindo as 3 razões que, no seu entender, lhe provocavam algum contentamento de alma: A guerra ter acabado; Portugal ter conseguido manter-se neutral; e a Inglaterra, país nosso aliado desde a Batalha de Aljubarrota contra os castelhanos (a mais velha aliança diplomática do mundo) se encontrar entre as nações vitoriosas.

Mas os benfeitenses sabiam muito bem qual tinha sido a verdadeira dimensão das privações sofridas nesta guerra e ainda bem se lembravam dos sacrifícios por que passaram, na outra, onde muitos jovens benfeitenses participaram, em Moçambique e em França, a maioria dos quais sem qualquer experiência militar.

VIVALDO QUARESMA

Discurso do Presidente do Conselho, Dr. António de Oliveira Salazar, à Assembleia Nacional, na 3ª feira, 8 de Maio de 1945, anunciando o fim das hostilidades na Europa, transmitido pela Emissora Nacional.

Senhor Presidente, Senhores Deputados:

 

Conhecedor das intenções da Câmara, o Governo desejou estar presente às manifestações da representação nacional no fim das hostilidades na Europa.
Não é este o momento para a revisão que me proponho fazer em breves dias perante a Câmara, dos problemas directa ou indirectamente ligados aos acontecimentos actuais. O meu intento hoje é outro, e as minhas palavras serão breves.

Caiu finalmente o pano sobre a tragédia que a Europa representou e viveu na sua carne e no seu espírito durante os últimos seis anos.
Nenhuma dor, nenhuma angústia, nenhum mal de quantos a pobre humanidade em séculos de desvario ou de expiação inventou e sofreu lhe foram poupados, a esta mártir, mãe de civilizações; nem conflitos trágicos de conceitos fundamentais da vida dos homens e das sociedades, nem divisões intestinas e lutas fratricidas, nem as maiores aberrações do espírito e do sentimento, nem destruições ciclópicas de vidas e haveres, de economias e culturas, de cidades e nações. Tão extensa e profunda foi a tragédia que nem mesmo todos os vencedores, e lembro piedosamente o Presidente Roosevelt, puderam sorrir ao claro sol da sua vitória.

A terra está ensopada de sangue e de lágrimas; sofreu-se e sofre-se demais para que nos entreguemos a ruidosas manifestações de alegria. Contudo, e embora com os olhos embaciados de lágrimas, um íntimo contentamento de alma é justo e devido. Apontarei, resumidamente, os três motivos seguintes:

Em primeiro lugar cessou a luta! E findarem os horrores que a guerra traz consigo é, já de si, inestimável bem. A libertação de países tão duramente experimentados e tão dignos na sua provação, a recuperação da sua independência e liberdade de vida, poder-se trabalhar para o bem-estar dos povos e não para o seu aniquilamento, dará por toda a parte a doce sensação de um quebrar de algemas, acordar de pesadelos e renascer para a vida e a felicidade possível. E, embora o futuro se ensombre de grandes preocupações e a obra de reconstrução material e moral se entolhe mais difícil que os trabalhos da mesma guerra, há-de ver-se que é tarefa a realizar em paz e na esperança, só por si bastantes para desoprimir o espírito, aligeirar os corações, tornar mais leve o esforço comum. Bendigamos a Paz!

Depois, a Providência dispôs em seus altos desígnios que pudéssemos atravessar o conflito sem sermos directa e activamente envolvidos nele e sem nele sacrificarmos mais que dinheiro, esforços, cuidados, algumas privações, o que, sendo muito em si, tudo se deve ter por pouco, em face do que outros houveram de sofrer.

Atravessámos incólumes a guerra e, podemos dizê-lo, sem sacrificar nem a dignidade da Nação nem os seus interesses e amizades. Sempre que foi necessário marcar posições pela palavra ou pelo acto em favor de amigos ou aliados, e fosse qual fosse a sua situação de momento, ou o fizemos espontaneamente ou acorremos de boa mente ao seu apelo. Decerto, houve que ter plena consciência das consequências possíveis, mas não exagerámos os riscos para nos desviarmos do dever: aceitámos serenamente e em todas as circunstâncias a parte de sacrifício que pudesse caber-nos. E não temos de medir ou recordar de serviços prestados, porque não são nem depreciados nem esquecidos. Não lembro neste momento dificuldades vencidas; registo que pôde manter-se a posição sem subserviência para com os poderosos e sem desinteresse, antes com fraternal carinho pelos fracos e pelos oprimidos que demandavam auxílio ou refúgio. E, tendo ficado à margem das grandes paixões que dividiram os povos, pudemos, com o coração isento, debruçar-nos piedosamente sobre todos os sofrimentos, admirar todos os heroísmos, ser compreensivos para todos os erros, sem deixar de ser severos para com todos os crimes.

Mais felizes do que aqueles que para perdoar muito terão de esquecer, a nossa missão está simplificada no mundo que se pretende edificar sobre o respeito do homem, a amigável colaboração das nações, o bem comum da humanidade. Bendigamos a Paz!

O terceiro motivo do nosso contentamento está em que a Inglaterra se encontra entre e no primeiro plano das nações vitoriosas. Muitos se ufanarão de o ter lido no livro do futuro com clareza meridiana; eu confesso humildemente que a esperança só se me converteu em certeza ao contemplar um esforço de guerra que, embora dentro das extraordinárias possibilidades do povo britânico, se duvidará de alguma vez ter sido atingido na história da humanidade. Ninguém, entre nós, deixou de considerar o interesse nacional solidário da posição da Inglaterra (e até da Comunidade Britânica) tal como resultasse da solução do conflito. Todos podiam notar que a uma visão, porventura demasiado continental da Europa, estava contraposta a concepção historicamente mais exacta da sua universalidade, e era a todos evidente que a vitória inglesa e dos Estados Unidos da América (em que o Brasil colaborava activamente) teria como resultado arrastar para o Atlântico o centro de gravidade da política internacional, no que importava ao Ocidente. E numa e noutra coisa nós somos interessados.
Ora eis que, embora sangrando de inúmeras feridas, a Inglaterra se ergue, de entre grandes ruínas, não só vitoriosa mas invencível; e, tendo consolidado os laços das diversas partes do Império, se pode apresentar no Mundo, e entre os maiores, como verdadeira educadora de povos, mãe e condutora de nações. Bendigamos a Vitória!

E calo-me! A verdade é que em hora tão alta e quase sagrada não descubro, não sinto em mim senão o vivo impulso de graças à Providência pela sua misericórdia e de preces por que a sua luz ilumine os homens responsáveis pelos destinos do Mundo.

 

António de Oliveira Salazar


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