FESTIVIDADES

Fontes: "A COMARCA DE ARGANIL", 18/08/1953

"JORNAL DE ARGANIL", 19 e 26/03/1954

Como decorriam outrora
as festividades na Benfeita

 

A festividade mais antiga e maior da
freguesia realizava-se, tradicionalmente, no dia
15 de Agosto de cada ano, em honra e louvor
de Nossa Senhora da Assunção, cuja
Capela - certamente a primitiva igreja
paroquial - ocupa o centro da Aldeia.

A azáfama começava dias antes e o entusiasmo ia aumentando à medida que a tarde do dia 14 se aproximava. As costureiras mal comiam, tantas as saias, blusas e vestidos que tinham para fazer. Na "capela", a Srª Emília do Sacramento, ajudada pelas filhas Laura e Palmira, ornamentavam com mestria e bom gosto os andores. Nas ruas, um batalhão de rapazes entregava-se, voluntariamente, às mais diversas tarefas: à varredura das calçadas, que ficavam escaroladíssimas; à apanha de braçados de buxo, louro, rosmaninho e outras plantas para os mastros e festões que haviam de enfeitar as ruas; ao arranjo de bandeirinhas e de longas cadeias de papel de côr, etc., etc.

Nos vários fornos existentes na terra, que grandes molhadas de ramalhos mantinham bem aquecidos, havia sempre um corrilório de raparigas e mulheres. Cozia-se a broa da festa, de massa mais fina e agradável pela maior "mistura" de trigo da terra ou de centeaninho; assavam-se em grandes frigideiras de barro preto, rescendentes pedaços de carne de cabra ou de borrego, sacrificados na véspera; vigiavam-se cuidadosamente as "formas" das rodilhas, que a cautela mandava cobrir com folhas de papel pardo para não ficarem crestadas, ou as muitas caçoilas de "tigelada" precioso manjar que nenhum pudim é capaz de exceder ou mesmo igualar.

Em volta do mulherio cirandava a miudagem, por causa dos "netos" que lhe eram destinados, ou esperando que o calor da boca do forno cozesse, nas meias cascas dos ovos, postas de pé sobre as cinzas, as escorralhas dos alguidares onde se haviam batido as "tigeladas".

Quase em segredo - num segredo que toda a gente conhecia - reuniam-se numa "sala" quatro ou cinco ou seis rapazes mais crescidos, chefiados pelo Ilídio, para talharem em folhas de papel de seda, coladas com massa de farinha triga, um balão, que havia de constituir sensacional surpresa no arraial! Em todas as habitações, as raparigas da casa reuniam flores e "migavam" papelinhos de cores variegadas para lançarem sobre a procissão no grande dia.

Ao começo da tarde, ouvia-se, lá para as bandas da Peneda Lisa, mais intenso estralejar de foguetes de "três respostas" à mistura com um ou outro morteiro, e pouco depois as brisas fagueiras traziam até aos ouvidos mais atentos, nos acordes mais fortes, o som álacre do bombo e dos pratos.

Era a música que chegara!

E breve, pelas ruas limpas, por entre "mastros" bem erguidos ao alto, cobertos e recobertos de folhedo, e sob os festões de papel trabalhado ou de verdura entrelaçada, a filarmónica percorria toda a povoação, tocando as suas mais sonoras "músicas", com os mordomos à frente, e rodeada de toda a miudagem da terra e ainda do "mudo" e do pequeno Zé Domingos do Pereira, mordendo entusiasmado os pulsos. À porta das pessoas de mais respeito e em sua homenagem, a filarmónica, a mando dos mordomos, estacionava uns momentos, tocando forte, enquanto em bandejas repletas de fatias de pão-de-Ló e de copos cheios de vinho oferecidos aos circunstantes, os da casa retribuíam a gentileza.

Às tantas da tarde, organizava-se a primeira procissão, pequena e simples, para transportar para a igreja o andor de Nossa Senhora da Assunção; à frente o "fogueteiro", que foi durante anos o velho "Zé Miguel", rodeado por uma núvem de rapazes; em seguida, o "guião", alto e pesado, que o José Francisco Nunes levava sem esforço, dada a sua "valentia", e logo a "tábua das almas". Em duas alas, após a cruz da irmandade, os "irmãos", com as suas opas brancas, dirigidos pelos juízes José Gonçalves Mathias e António Leitão, ladeavam os andores e o padre da freguesia; dois passos atrás a filarmónica, tocando uma marcha adequada, e depois grande multidão de mulheres.

A Benfeita regurgitava de gente. De todas as povoações da freguesia, e da Esculca, da Cerdeira, de Côja, do Pisão, do Travasso, de Folques, do Salgueiral, de Arganil, da Teixeira e de outras povoações, haviam chegado dezenas de parentes e amigos, que tinham acolhimento em todos os lares, numa encantadora e fraterna reciprocidade.

À noite, depois da ceia, em que compartilhavam os músicos, aboletados pela população, começava o arraial. O largo da escola não tinha, então, nem os muros que hoje o delimitam e embelezam, nem tantas árvores como as que o assombram agora, e talvez por isso, ou porque os festeiros se espalhavam pelas partes secas das ribeiras, parecia maior.

Sentados em bancos compridos, que, postos em quadrado, formavam coretos, as filarmónicas tocavam e os rapazitos deliravam quando conseguiam pegar nos "papéis" e servirem de estantes. E que satisfação, que imponência alguns apresentavam nesses momentos!

Candeeiros de acetileno, colocados aqui e ali, um pouco ao acaso, iluminavam o terreiro onde, em duas ou três "rodas", a mocidade se divertia entusiasticamente. Por cima das "vozes" do "mandador" e até dos acordes musicais, ouviam-se as cantigas, que sadias gargantas de desenvoltas e esbeltas raparigas, como a Assunção Gameleira, e mais tarde a Silvéria, lançavam nos ares:

Benfeita que o sol espreita!
Benfeita que o sol bafeja!
Tem ao cabo Santa Rita,
E à entrada a Igreja!

Adeus terra da Benfeita,
Não há outra igual a ela!
À praça faz divisão,
P'ró Outeiro e p'rá Capela.

Junto às mesas das "limonadeiras" a "Juíza", entre outras vindas de longe, fazia, na sua fogueira crepitante, o mais saboroso café do universo! No intervalo das tocatas subiam ao ar, entre o troar dos morteiros e o estralejar alegre dos de "três respostas", lindos foguetes de "lágrimas" que iluminavam deslumbrantemente de verde, de azul, de vermelho, as redondezas, pondo cores bizarras nos rostos em admiração.

E o triunfo dos mordomos era completo quando, de entre a brilhante "chuva" de prata ou de ouro, que do foguete brotava, saíam endemoniadas bichas-de-rabear assobiantes!

Oh! Era maravilhoso!...

A um dos lados do recinto começava a juntar-se o rapazio. Ia deitar-se o balão!

Enquanto um dos "artistas", empunhando longa vara, segurava o vértice do balão, ainda mal aberto, o "mestre" acendia uma fogueira e lançava sobre ela porções de mato verde ou de palha molhada, para fazer fumo...

A música continuava a tocar e os pares rodopiavam, alheios todos ao que se passava, mas breve o falatório da rapaziada e o largo bojo iluminado do aeróstato chamavam a atenção geral.

Olha o balão! Vai subir o balão!!!

A música calava-se. Os bailarinos suspendiam a dança. E no balão, já solto da longa vara que antes o sustentava, concentravam-se todos os olhares.

Bojudo, inchado ao máximo, já com a mecha a arder, o balão estava agora seguro apenas pelas mãos proficientes do "mestre" que, com perícia e solenemente, depois de ter ensaiado a direcção do vento e a força ascensional do aeróstato, o desprendia... deixando-o subir, a direito, imponente e majestoso, entre palmas e vivas!

Passados os primeiros segundos de admiração, a música rompia numa partitura de sons apoteóticos, o "fogueteiro" e os seus ajudantes lançavam ao ar dúzias de foguetes num estralejar e ribombar contínuo, e o rapazio corria já por montes e vales para apanhar o balão, onde quer que ele fosse cair...

Era assim, pouco mais ou menos, a véspera da festa de Nossa Senhora da Assunção, na Benfeita, há quarenta ou cinquenta anos.

MÁRIO MATHIAS

As festas na Benfeita

A parte religiosa


A alvorada troava, prolongada e poderosa, mal se adivinhava o primeiro arrebol do dia 15 de Agosto e os estampidos dessa tonitruante salva de morteiros ficavam por longo tempo a repercutir-se pelo côncavo dos vales e valeiros, e não raro ultrapassavam a cumeada das serras que nos rodeiam, indo dizer às terras distantes que na Benfeita havia festa rija.

Entretanto, a missa nesse dia não era cedo. Missa solene, a grande instrumental, como era de uso dizer-se, era acompanhada pela filarmónica e cantada pelo celebrante e seus acólitos, a quem os músicos de melhor garganta respondiam, ouvindo-se com agrado as suas vozes que sobressaíam das harmonias musicais e litúrgicas do ritual daquele dia.

A igreja, muito ornamentada com flores e luzes, transbordava sempre, e no coro não cabia uma pessoa mais. Os retardatários tinham de contentar-se em seguir as cerimónias, aglomerados no adro, para além da porta fundeira, aberta de par em par.

Apesar da fé fervorosa, do respeito geral e do silêncio que todos guardavam, no ambiente flutuava sempre um sussurro indefinível, que só desaparecia totalmente quando o pregador surgia no púlpito e, silenciosamente e com o olhar vago, em abstracção, olhava aquela massa de povo, desde o altar-mor à porta ínfima.

Feito silêncio absoluto, o sacerdote reverenciava o altar, ajoelhava lentamente e, benzendo-se com solenidade, começa recitando:

"Avé-Maria, cheia de graça, bendita sois Vós ... "

Concluída a oração; erguia-se e, circungirando o olhar, iniciava com uma frase latina o seu sermão, que todos seguiam, com os olhos fitos no orador, atentos, comovidos e lacrimejantes, até os mais insensíveis.

Pelo púlpito da igreja de Santa Cecília da Benfeita, passaram os melhores oradores da região e até de fora dela. O bom do padre Albino, que paroquiava a Cerdeira e era nosso patrício, irmão do Dr. José Simões Dias, o prior Candosa, de Côja, o padre Alípio, o reitor de Arganil, monsenhor Pereira de Almeida, professor do Seminário da Guarda, o padre Caldeira do Alqueve, e outros, além dos que paroquiavam a nossa terra.

Durante a festa religiosa o fogueteiro estava inactivo, mas ao "erguer a Deus", anunciado pelo sino grande da torre, os morteiros voltavam a estrugir os ares, no meio do estralejar alegre de várias dúzias de foguetes de "três respostas".

A procissão não tardava a preparar-se para sair. À frente o grande guião roxo, que só homens de bom pulso conseguiam suster sem fadiga, a tábua das almas e a Cruz processional. Depois, entre filas de irmãos, os andores do Mártir S. Sebastião, de Nossa Senhora do Rosário, de Santa Rita, do Sagrado Coração de Jesus, de S. José e, no fim, em lugar de honra, que por todas as razões lhe pertencia, Nossa Senhora da Assunção. Em seguida, sob o pálio, a cujas varas pegavam as pessoas de maior respeito, a sagrada Custódia transportada pelo Sr. Vigário, de capa de asperges, a cujas pontas pegavam os dois acólitos. Atrás a filarmónica e, a fechar, dezenas e dezenas de fiéis, sobretudo de mulheres.

Entre os andores iam, pela mão da gente amiga, os anjinhos, vestidos de branco, com asas de tarlatana ou coisa semelhante, levando ao pescoço todos os cordões da família. Após cada andor ou debaixo dele, as promessas, algumas simplesmente amortalhadas, mas muitas, muitas de joelhos...

A procissão era dirigida pelos juízes que marchavam entre as alas dos irmãos. Empunhavam as varas representativas da sua dignidade, que eram então de madeira e não de metal amarelo como são agora. A essas varas pegaram sempre os mais dignos e respeitados, a elite da nossa freguesia. Foram juízes repetidos anos, José Gonçalves Mathias, António João Nunes Leitão, José Dias, António Nunes dos Santos Oliveira, o "velho" António Massarocas, etc.

O préstito, precedido dos fogueteiros e da rapaziada, seguia pela rua do Fundo, em direcção à Praça e depois descia para a Capela, que circundava, regressando pelo mesmo caminho, até ao adro. Em todas as casas havia gente às janelas, lançando sobre os andores e sobre o pálio grandes mãos-cheias de flores e papelinhos cortados. Nas ruas e nos portais e escaleiras, as gentes ajoelhavam à passagem do Senhor, enquanto na torre da igreja e no campanário da Senhora da Assunção, os sinos e sinetas tocavam continuadamente, repiques festivos.

Recolhida a procissão, tudo debandava para almoçar, que era também um dos bons números da festa, pois não só as muitas iguarias o tornavam excepcionalmente agradável, mas a reunião de parentes e amigos, vindos de terras várias, lhe davam ambiente alegre e festivo.

A meio da tarde, começavam a venda das fogaças e os bailaricos.

MÁRIO MATHIAS

As festas na Benfeita

O "Algaça"


A meio da tarde do dia 15 fazia-se a venda das fogaças, no largo da Capela de Nossa Senhora da Assunção, que o povo enchia, transbordando ainda em magna quantidade pelas ruas que rodeavam o templo e pela que atravessa o arrabalde em direcção ao Areal.

Este número do programa tradicional revestia-se sempre de grande animação e interesse. Para a mocidade, porque nele se organizavam bem movimentados e concorridos bailaricos, com marcações a preceito e cantigas à desgarrada; para os mais idosos, em plena euforia de um abundantíssimo e bem regado almoço festivo, pela sua íntima satisfação, pela alegria e entusiasmo das conversas e despiques, pela influência recreativa das álacres músicas executadas, pelo calor das licitações, e por outras variadas causas.

Dentro da capela estavam as ofertas, e, frente à porta principal, aberta de par-em-par, em bancos compridos, instalava-se a filarmónica, formando quadrado. As janelas de peito ou de sacada das casas em volta, da D. Rosa, da "ti" Amélia, do Sr. José Joaquim, da Srª Maria de Jesus, do Joaquim do Reis, do Bernardino e de outros, estavam repletas de mulherio, e do mesmo modo as escadarias de pedra, que de alguns prédios deitavam para o largo, pareciam um coliseu apinhado.

Na "venda", que ocupava os baixos da casa do Nunes Leitão, pai, não se cabia nem havia mãos a medir, e as limonadeiras, que em mesas volantes vendiam capilé de lepes, vinhos finos, licores, biscoitos e outras bebidas e guloseimas, não tinham um momento de descanso.

O pregoeiro das fogaças era o "Algaça", José Martins do Reis de seu nome, que ocupava o espaço livre entre os músicos. Era um leiloeiro de rasgo, afamado em toda a região. A sua graça natural, os seus ditos espontâneos e sugestivos, os trejeitos agaifonados, os comentários a propósito do conteúdo das ofertas ou da coragem ou debilidade financeira dos licitantes, que fazia acompanhar de expressivos olhares de admiração ou incitamento, de estranheza ou reprovação, eram unanimemente apreciados dentro e fora da freguesia, sendo a sua presença e colaboração desejada em toda a parte.

Quando o "Algaça" surgia no meio do largo e erguia ao alto, na sua mão forte e calosa, uma fogaça, era certa a alegria entre os assistentes, que a par do espectáculo que era a actuação do pregoeiro, iam de certeza divertir-se com a luta entre os compradores, em acérrimos despiques:

- Doze vinténs!... Treze!... Catorze!...

- Ninguém dá mais?

E o "Algaça", sorridente, olhava em volta para, após pequeno silêncio, e depois de ter recebido algum sinal, prosseguir:

- Catorze vinténs?!... Catorze, fora a salva e a peanha ... Quinze! Quinze vinténs... Aí, homem valente!

- Três tostões, só três tostões por esta boda?! Uma perna carneiro! Uma travessa de arroz-doce! Um pão-de-Ló! Um litro de vinho e um cacho de uvas... E querias levar isto tudo por três tostões? Pois não levas amigo, que já além me ofereceram quatro tostões!

- Quatro tostões! Quatro tostões... Ninguém dá mais?

- Quatrocentos e cinquenta! - gritava entusiasmado... - Um pinto. Ai, destes é que eu gosto! Um pinto... Cinco tostões!!!

- E eu também provo! - gritava o "Algaça", se o comprador era conhecido e camarada.

- Cinco tostões e um vintém?! Cinco tostões e um vintém! Ai, que até me falta o ar!

E durante horas, sempre alegre, sempre exuberante, com a assistência permanentemente bem disposta e animada, o "Algaça" prosseguia na sua faina, que nenhum mordomo dispensava.

Numa festa, vai talvez em cinquenta anos, também eu tive a grande, a indescritível ventura de arrematar uma oferta. Eu estava nas escadas de granito da casa do Sr. José Joaquim, acompanhado por minha avó, que também era minha madrinha, e propositadamente se instalara comigo em local conveniente.

O "Algaça" tirara' da cabeça de uma fogaceira uma bandeja que, sobre linda toalha de renda caseira, continha uma bela rodilha enfeitada, ou bordada, como se dizia, pelo afamado artista que era o velho Joaquim Pereira, e erguendo-a ao alto e elogiando-a, abriu o leilão com dois tostões...

Eu ofereci onze vinténs e depois, nem sei como aquilo decorreu, tão alegre, tão entusiasmado, tão comovido me encontrava. Lembro-me, porém, muito bem, que o último lanço foi o meu, de cinco tostões e que a minha avó, contente por me ver assim feliz, tirou da sua saquinha uma moeda de prata e ma entregou para eu ir pagar, como se eu fosse um homem...

Entretanto, o baile mantinha-se igualmente animado e concorrido. E às vezes não era um baile, eram dois, um junto da porta da casa do Joaquim dos Reis e outro, no lado oposto, junto à entrada da casa da D. Rosa. Dançava-se ao compasso da música tocada pela filarmónica, mas quando esta se calava para a venda das fogaças, saltavam logo os tocadores a dedilhar nas guitarras.

Um ano, porque um foguete subiu pouco alto, talvez por ter a cana curta, e veio cair entre o foguetório que estava encostado à parede da capela aguardando a sua vez de subir ao ar incendiaram-se dez ou doze dúzias de foguetes, ao mesmo tempo, e começaram todos a esfedelhar como rabichas ou busca-pés por entre a multidão, estoirando no meio do povo. Foi um susto colossal! A música, que estava mais perto, fugiu e só parou junto da ribeira. As mulheres gritavam e clamavam por Nossa Senhora... Por fim todos serenaram e, salvo algumas saias chamuscadas e ligeiros arranhões numas quantas pessoas, o incidente ainda serviu para risota, pelas atitudes que alguns tomaram.

Ao fim da tarde a filarmónica retirava-se e as pessoas gradas e muito povo, acompanhavam-na até à Ponte Fundeira e ali se despediam dela.

 


 

NOTAS:

Em todas as procissões que antigamente se realizavam na Benfeita, ou no Santuário de Nossa Senhora das Necessidades, se incorporavam numerosas crianças vestidas de anjo. Era uma tradição a que ninguém se furtava, até pela grande alegria que assim proporcionavam a seus filhos ou netos. As crianças não cabiam em si de contentes, e apresentavam-se com uma dignidade e compostura dignas de ver-se. Verdade que, às vezes, de pequeninos que eram, os anjos, não podiam vencer, pelo seu pé, todo o percurso, e tinham de ser transportados ao colo. Não raro também o estralejar dos foguetes e sobretudo o formidável estampido dos "morteiros" os assustava, e fazia chorar em alta gritaria, até que as mães acudiam a acarinhar os seus "anjinhos".

Simões Dias conta no seu livro "COROA D'AMORES" "ter servido de anjo numa procissão", e eu próprio segui todo ufano, teria quatro ou cinco anos, numa procissão de Agosto, figurando de S. João, vestindo uma samarra, empunhando numa mão uma cruz apropriada, e conduzindo, com a outra, um alvinitente e lindo cordeirinho.

A tradição mantém-se ainda, e com frequência os anjos se apresentam agora mais imponentes, com asas de penas, alugadas em Coimbra.

MÁRIO MATHIAS