A  TORRE  DA  PAZ

Fonte: "A Comarca de Arganil", nº 3144

Data: 11/05/1945

Bendigamos a Paz!
Bendigamos a Vitória!

- disse o sr. Presidente do Conselho,
na Assembleia Nacional

O sr. dr. Oliveira Salazar pronunciou na Assembleia Nacional, na terça-feira, o seguinte discurso:

Sr. Presidente, srs. Deputados:
Conhecedor das intenções da Câmara, o Governo desejou estar presente às manifestações da representação nacional pelo fim das hostilidades na Europa. Não é este o momento para a revisão que me proponho fazer em breves dias, perante a Câmara, dos problemas directa ou indirectamente ligados aos acontecimentos actuais. O meu intento, hoje, é outro e as minhas palavras serão breves.

Caiu finalmente o pano sobre a tragédia que a Europa representou e viveu na sua carne e no seu espírito durante os últimos seis anos. Nenhuma dor, nenhuma angústia, nenhum mal, de quantos a pobre humanidade, em séculos de desvario ou de expiação, inventou e sofreu, lhe foram poupados, a esta mártir, mãe de civilizações; nem conflitos trágicos de conceitos fundamentais da vida dos homens e das sociedades, nem divisões intestinas e lutas fratricidas, nem as maiores aberrações da inteligêncía e do sentimento, nem destruições ciclópicas de vidas e haveres, de economias e culturas, de cidades e de nações. Tão extensa e profunda foi a tragédia, que nem mesmo todos os vencedores - e lembro piedosamente o Presidente Roosevelt - puderam sorrir ao claro sol da sua vitória.

A terra está ensopada de sangue e de lágrimas; sofreu-se e sofre-se demais para que nos entreguemos a ruidosas manifestações de alegria. Contudo, e embora com os olhos embaciados de lágrimas, um íntimo contentamento de alma é justo e devido. Apontarei, resumidamente, os três motivos seguintes:

Bendigamos a Paz!

Em primeiro lugar, cessar a luta e findarem os horrores que a guerra trás consigo, é já de si inestimável bem. A libertação de países tão, duramente experimentados e tão dignos na sua provação, a recuperação da sua independência e liberdade de vida, poder-se trabalhar para o bem-estar dos povos e não para o seu aniquilamento, dará por toda a parte a doce sensação de um quebrar de algemas, acordar de pesadelos e renascer para a vida e a felicidade possível. E, embora o futuro se ensombre de grandes preocupações e a obra de reconstrução material e moral se antolhe mais difícil que os trabalhos da mesma guerra, há-de ver-se que é tarefa a realizar em paz e na esperança, só por si bastantes para desoprimir o espírito, aligeirar os corações, tornar mais leve o esforço comum.

- Bendigamos a Paz!

"Sempre que foi necessário marcar posição em favor de amigos ou aliados o fizemos expontaneamente"

Depois, a Providência dispôs em seus altos desígnios que pudéssemos atravessar o conflito sem sermos directa e activamente envolvidos nele e sem nele sacrificarmos mais que dinheiro, esforços, cuidados, algumas privações, o que, sendo muito em si, tudo se deve ter por pouco em face do que outros houveram de sofrer.

Atravessámos incólumes a guerra e, podemos dizê-lo, sem sacrificar nem a dignidade da nação nem os seus interesses e amizades. Sempre que foi necessário marcar posições pela palavra ou pelo acto em favor de amigos ou aliados e fosse qual fosse a sua situação de momento, ou o fizemos expontaneamente ou acorremos de boamente ao seu apelo. Decerto houve que ter plena consciência das consequências possíveis, mas não exagerámos os riscos para nos desviarmos do dever: aceitámos serenamente, e em todas as circunstâncias, a parte de sacrifício que pudesse caber-nos. E não temos de medir ou recordar os serviços prestados, porque não são nem depreciados nem esquecidos.

Não lembro neste momento dificuldades vencidas; registo que pôde manter-se a posição sem subserviência pra com os poderosos e sem desinteresse, antes com fraternal carinho, pelos fracos e pelos oprimidos em demanda de auxílio ou refúgio. E, tendo ficado à margem das grandes paixões que dividiram os povos, pudémos, com o coração isento, debruçar-nos piedosamente sobre todos os sofrimentos, admirar todos os heroísmos, ser compreensivos para todos os erros, sem deixar de ser severos para com todos os crimes.

Mais felizes do que aqueles que para perdoar muito terão de esquecer, a nossa missão está simplificada no mundo que se pretende edificar sobre o respeito do homem, a amigável colaboração das nações, o bem comum da humanidade.

- Bendigamos a Paz !

"Um motivo do nosso contentamento está em que a Inglaterra se encontra no primeiro plano das nações vitoriosas"

O terceiro motivo do nosso contentamento, está em que a Inglaterra se encontra entre e no primeiro plano das nações vitoriosas. Muitos se ufanarão de o ter lido no livro do futuro com clareza meridiana; eu confesso humildemente que a esperança só se me converteu em certeza ao contemplar um esfôrço de guerra que, embora dentro das extraordinárias possibilidades do povo britânico, se duvidará de alguma vez ter sido atingido na história da humanidade.

Ninguém entre nós deixou de considerar o interesse nacional solidário da posição da Inglaterra (e até da Comunidade Britânica) tal como resultasse da solução do conflito. Todos podiam notar que a uma visão porventura demasiado continental da Europa estava contraposta a concepção historicamente mais exacta da sua universalidade, e era a todos evidente que a vitória inglesa e dos Estados Unidos da América (em que o Brasil colaborava activamente), teria como resultado arrastar para o Atlântico o centro de gravidade da política internacional, no que importava ao ocidente. E numa e noutra coisa nós somos interessados. Ora eis que, embora sangrando de inúmeras feridas, a Inglaterra se ergue, de entre grandes ruínas, não só vitoriosa mas invencível; e, tendo consolidado os laços das diversas partes do Império, se pode apresentar no mundo, e entre os maiores, como verdadeira educadora de povos, mãe e condutora de nações.

- Bendigamos a Vitória!

E calo-me. A verdade é que, em hora tão alta e quase sagrada, não descubro, não sinto em mim senão um vivo impulso de graças à Providência pela sua misericórdia e de preces por que a sua luz ilumine os homens responsáveis pelos destinos do Mundo.

Nota da Semana

Terminou a guerra na Europa. Em face desta consoladora realidade, todos os outros acontecimentos passam para plano secundário. E os corações bem formados, que não compreendem a violência da metralha para a solvência de problemas que os povos têm de encarar, rejubilam. Segue-se, agora, o rescaldo do dantesco incêndio que fez sofrer, horrorizada, a pobre e sofredora Humanidade. E não é necessário ser profeta para desde já afirmar que longos anos serão necessários para medicar um mundo exangue que, como doido, a si próprio se destruiu, destruindo furiosamente o que de mais belo soubera criar.

Necessário se torna que desapareçam os ódios, as ambições, o recurso à força. Que todos os guias de povos se lembrem constantemente dos milhões de homens que tombaram para sempre ou que ficaram inutilizados! Que, em face do calvário percorrido - superior em angústias àquele que suportámos há um quarto de século - o bom entendimento, a leal compreensão, a Verdade e a Justiça dominem a arrumação dos múltiplos e complexos assuntos que estão pendentes.

E que o sino da Benfeita, que já tangeu para anunciar a paz na Europa, volte a repicar festivamente para dizer, na sua eloquente simplicidade, que findaram os combates no Extremo-Oriente e com eles a guerra mundial!

Mas - e este é o voto mais veemente! - que o final desta guerra seja o termo de todas as guerras, e não um intervalo, mais ou menos longo, para novos actos de loucura colectiva ...

 

LUIZ FERREIRA