Bendigamos
a Paz!
Bendigamos a Vitória!
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disse o sr. Presidente do Conselho,
na Assembleia Nacional
O
sr. dr. Oliveira Salazar pronunciou na Assembleia
Nacional, na terça-feira, o seguinte
discurso:
Sr. Presidente, srs. Deputados:
Conhecedor das intenções da Câmara,
o Governo desejou estar presente às
manifestações da representação nacional
pelo fim das hostilidades na Europa. Não
é este o momento para a revisão que
me proponho fazer em breves dias, perante
a Câmara, dos problemas directa ou indirectamente
ligados aos acontecimentos actuais. O meu
intento, hoje, é outro e as minhas palavras
serão breves.
Caiu
finalmente o pano sobre a tragédia que a
Europa representou e viveu na sua carne
e no seu espírito durante os últimos
seis anos. Nenhuma dor, nenhuma angústia,
nenhum mal, de quantos a pobre humanidade,
em séculos de desvario ou de expiação, inventou
e sofreu, lhe foram poupados, a esta mártir,
mãe de civilizações; nem conflitos trágicos
de conceitos fundamentais da vida dos homens
e das sociedades, nem divisões intestinas
e lutas fratricidas, nem as maiores aberrações
da inteligêncía e do sentimento, nem destruições
ciclópicas de vidas e haveres, de economias
e culturas, de cidades e de nações. Tão
extensa e profunda foi a tragédia, que nem
mesmo todos os vencedores - e lembro piedosamente
o Presidente Roosevelt - puderam sorrir
ao claro sol da sua vitória.
A
terra está ensopada de sangue e de lágrimas;
sofreu-se e sofre-se demais para que nos
entreguemos a ruidosas manifestações de
alegria. Contudo, e embora com os olhos
embaciados de lágrimas, um íntimo
contentamento de alma é justo e devido.
Apontarei, resumidamente, os três motivos
seguintes:
Bendigamos
a Paz!
Em
primeiro lugar, cessar a luta e findarem
os horrores que a guerra trás consigo,
é já de si inestimável bem. A libertação
de países tão, duramente experimentados
e tão dignos na sua provação, a recuperação
da sua independência e liberdade de vida,
poder-se trabalhar para o bem-estar dos
povos e não para o seu aniquilamento, dará
por toda a parte a doce sensação de um quebrar
de algemas, acordar de pesadelos e renascer
para a vida e a felicidade possível. E,
embora o futuro se ensombre de grandes preocupações
e a obra de reconstrução material e moral
se antolhe mais difícil que os trabalhos
da mesma guerra, há-de ver-se que é tarefa
a realizar em paz e na esperança, só por
si bastantes para desoprimir o espírito,
aligeirar os corações, tornar mais leve
o esforço comum.
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Bendigamos a Paz!
"Sempre
que foi necessário marcar posição
em favor de amigos ou aliados o fizemos
expontaneamente"
Depois,
a Providência dispôs em seus altos desígnios
que pudéssemos atravessar o conflito sem
sermos directa e activamente envolvidos
nele e sem nele sacrificarmos mais que dinheiro,
esforços, cuidados, algumas privações, o
que, sendo muito em si, tudo se deve ter
por pouco em face do que outros houveram
de sofrer.
Atravessámos
incólumes a guerra e, podemos dizê-lo,
sem sacrificar nem a dignidade da nação
nem os seus interesses e amizades. Sempre
que foi necessário marcar posições
pela palavra ou pelo acto em favor de amigos
ou aliados e fosse qual fosse a sua situação
de momento, ou o fizemos expontaneamente
ou acorremos de boamente ao seu apelo. Decerto
houve que ter plena consciência das consequências
possíveis, mas não exagerámos os
riscos para nos desviarmos do dever: aceitámos
serenamente, e em todas as circunstâncias,
a parte de sacrifício que pudesse caber-nos.
E não temos de medir ou recordar os serviços
prestados, porque não são nem depreciados
nem esquecidos.
Não
lembro neste momento dificuldades vencidas;
registo que pôde manter-se a posição
sem subserviência pra com os poderosos e
sem desinteresse, antes com fraternal carinho,
pelos fracos e pelos oprimidos em demanda
de auxílio ou refúgio. E, tendo ficado
à margem das grandes paixões que dividiram
os povos, pudémos, com o coração isento,
debruçar-nos piedosamente sobre todos os
sofrimentos, admirar todos os heroísmos,
ser compreensivos para todos os erros, sem
deixar de ser severos para com todos os
crimes.
Mais
felizes do que aqueles que para perdoar
muito terão de esquecer, a nossa missão
está simplificada no mundo que se pretende
edificar sobre o respeito do homem, a amigável
colaboração das nações, o bem comum da humanidade.
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Bendigamos a Paz !
"Um
motivo do nosso contentamento está em que
a Inglaterra se encontra no primeiro plano
das nações vitoriosas"
O
terceiro motivo do nosso contentamento,
está em que a Inglaterra se encontra entre
e no primeiro plano das nações vitoriosas.
Muitos se ufanarão de o ter lido no livro
do futuro com clareza meridiana; eu confesso
humildemente que a esperança só se me converteu
em certeza ao contemplar um esfôrço de guerra
que, embora dentro das extraordinárias possibilidades
do povo britânico, se duvidará de alguma
vez ter sido atingido na história da humanidade.
Ninguém
entre nós deixou de considerar o interesse
nacional solidário da posição da Inglaterra
(e até da Comunidade Britânica) tal como
resultasse da solução do conflito. Todos
podiam notar que a uma visão porventura
demasiado continental da Europa estava contraposta
a concepção historicamente mais exacta da
sua universalidade, e era a todos evidente
que a vitória inglesa e dos Estados Unidos
da América (em que o Brasil colaborava activamente),
teria como resultado arrastar para o Atlântico
o centro de gravidade da política internacional,
no que importava ao ocidente. E numa e noutra
coisa nós somos interessados. Ora eis que,
embora sangrando de inúmeras feridas, a
Inglaterra se ergue, de entre grandes ruínas,
não só vitoriosa mas invencível; e, tendo
consolidado os laços das diversas partes
do Império, se pode apresentar no mundo,
e entre os maiores, como verdadeira educadora
de povos, mãe e condutora de nações.
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Bendigamos a Vitória!
E
calo-me. A verdade é que, em hora tão alta
e quase sagrada, não descubro, não sinto
em mim senão um vivo impulso de graças à
Providência pela sua misericórdia e de preces
por que a sua luz ilumine os homens responsáveis
pelos destinos do Mundo.
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