O  TELEFONE  NA  BENFEITA

Fonte: A Comarca de Arganil
Data: 14/04/1944

UMA JUSTA HOMENAGEM

ao sr. dr. Mário Matias

LISBOA, 10 - Circunstanciadamente e por intermédio do seu solícito correspondente na Benfeita, já A Comarca de Arganil relatou o que na sede da referida freguesia se passou a propósito do 5º aniversário da instalação do telefone público nessa terra encantadora. Rodeado de preocupações, êsse grande e primário melhoramento era um encargo que pesava no orçamento de particulares da Benfeita, pois só extinto o prazo fixado por lei, havia a garantia de ser êle irremovível. Esse praso terminou e com êle a ansiedade dos que pugnaram por tal regalia e a mantiveram. Homenagearam-se pessoas que ao telefone da Benfeita deram o melhor da sua actuação - e poucas são as palavras de louvor que se lhes dirijam - e não veio a público qualquer citação ao nome prestigioso do sr. dr. Mário Matias. E dessa omissão, acentue-se bem, nenhuma culpa cabe aos promotores das referidas homenagens ou ao dedicado correspondente de A Comarca na Benfeita.

É que o sr. dr. Mário Matias, homem que alia a uma sólida cultura a mais simpática modéstia, terminantemente se opôs a que aludissem à sua pessoa. Mas o jornalista, absolutamente seguro  de que a omissão podia induzir em êrro tôdas as pessoas que ignorassem a forte oposição de s. exª a qualquer exibicionismo, atribuindo-se a lamentável esquecimento o que não era mais do que o cumprimento das determinações recebidas, conseguiu permissão para relatar o que em Lisboa se passou e que traduz o sentir de todos os benfeitenses em relação ao conterrâneo ilustre que está na vanguarda dos que pugnaram pelo telefone na Benfeita. E só para apagar qualquer ideia errónea sôbre um esquecimento que não se verificou, é que levou o sr. dr. Mário Matias a anuir à nossa solicitação.

Assim, com prazer tornamos público que, no dia 3 do corrente, o sr. dr. Mário foi procurado em sua casa por uma comissão de conterrâneos que lhe entregou o seguinte documento:

 

Ex.mo sr. dr.Mário Matias:

Permita v.ex.ª que um pequeno grupo de amigos naturais da freguesia da Benfeita, representando a colónia residente em Lisboa, tome a liberdade de vir junto de v.ex.ª apresentar-lhe sinceras felicitações pela passagem do dia de hoje, data da entrega ao Estado da cabine do telefone público instalado na sede da freguesia desde 3 de Abril de 1939, que a v.ex.ª se deve, cessando assim os encargos que até hoje teem estado a cargo da junta de freguesia.

Recordando o elevado interesse que v.ex.ª sempre tem tido na realização dos muitos melhoramentos levados a efeito na nossa freguesia, e sabendo que é contra os princípios de v.ex.ª aceitar o testemunho público da gratidão que lhe é devida, tomamos a liberdade de oferecer a v.ex.ª esta pequena lembrança, que traduz o alto aprêço de tôda a colónia pelas elevadas qualidades de civismo que v.ex.ª possui.

Lisboa, 3 de abril de 1944.

A comissão: António Correia, António Nunes Leitão, António José Filipe (Pardieiros), Alfredo Francisco Gomes (idem), José Augusto Rosário Dias, José Augusto Pereira (Azambuja), José Rosa Gomes, João Figueiredo, Manuel João Alves, José Dias, Joaquim Bernardo, Armando Gonçalves Pereira (Sardal), Tomaz Joaquim da Fonseca, Artur do Rosário Dias (sobrinho), António Duarte (Sardal), Américo Pereira (idem), Artur Simões Quaresma, José Gonçalves (Enxudro), Mário Gonçalves Pereira (Sardal), José Gonçalves Pereira (idem), José Bernardo Leitão, José Augusto Lázaro (Dreia), António Simões Quaresma, António Gaspar, José Augusto Correia, José dos Reis (Pardieiros), Eduardo Lourenço (Dreia), António Nunes dos Santos (Pardieiros), Sérgio Martins, José Martins Santos, Guilherme dos Reis, Georgina dos Reis Dias, Firmino Simões Quaresma e José Bernardo Quaresma.

Os nomes sem indicação de naturalidade, pertencem à sede da freguesia.

 

O sr. José Rosa Gomes leu a mensagem e logo foi entregue ao sr. dr. Mário Matias um artístico e valioso tinteiro com a seguinte inscrição: «3-4-39 - 3-4-44 - Ao Dr. Mário Mathias, a colónia da Benfeita».

O sr. António José Filipe usou da palavra, afirmando que a Benfeita se pode orgulhar de ter sido berço de várias pessoas que altamente a colocam, destacando o sr. dr. Mário Matias como a que mais se tem salientado por seus méritos e qualidades de ingente trabalho.

Faz também, o caloroso elogio do sr. Leonardo Gonçalves Matias, incansável batalhador do progresso da Benfeita e pai do homenageado.

Falaram também, para enaltecer as virtudes da família Gonçalves Matias e os benefícios que a freguesia lhe deve, os srs. José Rosa Gomes e António Nunes Leitão, salientando êste o facto de serem poucos a comparecer para não se quebrar o segrêdo que envolveu a justíssima homenagem, única forma de a realizar, mesmo contra a vontade de s.ex.ª.

O sr. dr. Mário Matias, comovidamente, agradeceu as atenções dos seus conterrâneos, representantes da colónia, e do sentir, sem dúvida, dos naturais de tôda a freguesia da Benfeita, abraçando os oradores e demais componentes da comissão.

* * *

Por serem particularmente curiosos e reveladores dos abençoados esforços empregados para se conseguir o serviço telefónico público na Benfeita, publicamos os seguintes dados:

 

A primeira tentativa para a ligação telefónica da Benfeita a Côja, foi feita em 1915, em que uma comissão constituída por António Coimbra França, Luiz Gonçalves Matias, Urbano Dias e outros, aproveitando a estada a férias em Celavisa do engenheiro António Maria da Silva, o procurou naquela vila, pedindo-lhe a construção de tão importante melhoramento.

Em 1923, a "Liga de Defesa e Engrandecimento da Freguesia da Benfeita", a que presidiam Leonardo Gonçalves Matias e Joaquim Dias, representou superiormente e esforçou-se por ser então construída a linha telefónica, tendo oferecido um subsídio de dois mil escudos à Administração dos Correios, se o telefone fôsse efectivamente instalado.

Em 1926, houve nova tentativa, actuando uma comissão de que fazia parte o sr. dr. Mário Matias, junto do general Gomes da Costa, que presidia ao Govêrno, mas a partida dêste para as ilhas, fez de novo gorar o melhoramento.

Em 1929 e 1930, de novo se insiste junto dos poderes públicos, e tudo parecia assegurado desde que a freguesia oferecesse os páus necessários para suporte da linha. Generosamente, todos os que tinham páus de castanho - pois só dessa madeira eram aceites - os ofereceram, mas uma vez mais os esforços dispendidos resultaram improfícuos.

1938. Depois de grandes e aturadas diligências, o "Diário do Govêrno", de 21 de maio, inseriu a portaria que mandou criar e abrir à exploração o pôsto telefónico público da Benfeita, portaria assinada pelo ministro interino das Obras Públicas, sr. dr. Manuel Rodrigues.

Parecia agora que nada viria a estorvar a realização do telefone, mas foi necessário actuar ainda, para evitar que o telefone fôsse ligado directamente a Folques, como a Administração Geral dos Correios pretendia, ligação que reduziria grandemente os benefícios do telefone, visto que só indirectamente ficaríamos em comunicação com Côja, isto é, com o médico que serve a freguesia, com o correio, com a farmácia, mercado, etc.

Por fim, venceu o bom senso e os interesses da população e, depois de novos estudos sôbre o traçado, foi autorizada a ligação do telefone a Côja.

A Junta, em acta, tomou o compromisso de pagar o "deficit" da exploração durante 5 anos, "deficit" que andava por 130 escudos mensais, e a Junta não tinha, na realidade, um escudo sequer das suas receitas para ocorrer a tal encargo ... mas nunca lhe faltou o dinheiro preciso, porque todos os anos se abria uma subscrição para ocorrer a êsses encargos, e A Comarca repetidas vezes publicou os donativos angariados para tal fim pelos srs. Leonardo Gonçalves Matias, Alfredo Nunes dos Santos Oliveira e António Nunes Leitão.

1939. Em 3 de abril foi inaugurado solenemente o pôsto telefónico com música, discursos, foguetes e flores, tendo a primeira ligação que se fez, sido feita para casa do sr. dr. Mário Matias, em Lisboa, aonde se encontrava também nesse momento o sr. Leonardo Gonçalves Matias.

 

Finalmente, em 3 do corrente, findou o prazo de utilização telefónica condicionada e a Benfeita pode usufruir, sem receio, uma das suas mais importantes regalias.

Parabéns a todos os que, lutando criteriosamente ao lado do querido amigo e sr. dr. Mário Matias, alcançaram uma brilhante vitória regionalista!