Jornal
de Arganil
05/10/1972
BENFEITA,
28 - Há dias, ouvimos dizer que um técnico de Arganil
viera instalar numa residência, sita no bairro de Santa Rita,
uma máquina eléctrica de lavar roupa, das mais modernas e
eficientes e vimos entrar num estabelecimento comercial, vinte
ou trinta mulheres e raparigas, num corrilório, a comprarem
lixívia, em garrafas, em jarras e em alguidares de plástico.
Como os tempos mudam! Até na forma de lavar as roupas caseiras!
Antigamente, num tempo ainda não muito distante, as mulheres
e as raparigas da Benfeita, sempre tão asseadas, em si mesmas,
nas roupas do corpo e da casa, iam todas as manhãs de segunda-feira
para a ribeira, levando à cabeça, em regra, em "alguidares",
montes de roupa para lavar, ocupando em grupo os seus lugares
habituais. Umas junto à Ponte do Cabo, outras - talvez em
maior número - no Areal, à sombra do amieiro (onde de verão
apareciam terríveis formigas de cabeça avermelhada) e, ainda,
perto do moinho da carreira, entre o pontão de madeira e a
fonte do fundo, ou na levada que havia próximo da Ponte Fundeira.
Nesse tempo o sabão era pouco e caro, mas a roupa, fosse qual
fosse, ficava maravilhosamente bem lavada, porque depois de
uma boa esfrega, ensaboada e batida, quando convinha, na pedra-lavadoiro,
era posta a corar ao sol ou metida em prolongada barrela e,
depois de lavada segunda vez, em água corrente.
A segunda-feira era também, então, um dia de grande divertimento
e alegria para a rapaziada que, atraída pelo mulherio, se
reunia no Areal em brincadeiras várias, tocando "trelecas",
jogando a "bilharda", a "barra" e "ao
prender" e outras.
Mas o que mais interessava à miudagem era ajudarem as mães,
irmãs ou tias, a alimentarem, com braçados de carqueja, cavacas
ou outras lenhas, as fogueiras sobre as quais borbulhavam
as águas ferventes que haviam de ser despejadas sobre os "barreleiros"
e, depois de passarem pelas cinzas lançadas no bocal coberto
de estopa, ou de linho, ficavam a embeber e repassar toda
a roupa.
O Areal não tinha muro, como agora; descia em declive sobre
a ribeira. As grandes caldeiras de cobre, douradas por dentro,
mas negras por fora, do fumo da lenha, alinhavam-se junto
à parede da primitiva escola, suspensas em trancas de ferro
ou madeira; entre elas os "barreleiros", de vários
tamanhos. E não havia nódoa, mesmo de fruta, mascarra de carvão,
tinta ou outra sujidade ou imundice de qualquer origem, que
uma boa cora ou uma barrela bem feita não fizessem desaparecer!
Havia nesses tempos quem, em certos casos renitentes, usasse
o célebre "cloreto", mas nenhuma boa dona de casa
o usava, ou consentia que o usassem nas suas roupas, porque
era sabido e provado que o "cloreto" as "queimava",
enfraquecia e deteriorava.
Correram os tempos, mudaram os usos e os costumes, por isso
as grandes barrelas e o coramento das roupas já não se vêem;
o "Omo" e o "Presto" chegaram já à Benfeita,
mas a moda agora é a "lixívia" de que se vendem
trinta, ou mais litros por semana!
Em certo período da Guerra, quando o sabão faltou totalmente
nas "vendas" as mulheres da Benfeita aprenderam
a fazer, elas mesmas, um sabão que, se não substituía inteiramente
o de compra, remediava ... Para tanto, empregavam três produtos
de origem caseira, borras de azeite, cinzas da pilheira e
sebo de animais, e uns "pozinhos", mandados vir
da farmácia, de soda cáustica.
Mas então ainda a barrela e o coramento da roupa ao ar livre,
durante o dia ou da noite, ao sol ou mesmo à chuva, continuavam
a impor-se, como rainhas do bom asseio aldeão, sabe-se lá
se para bem das roupas e comodidade das gentes.
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