LAVADEIRAS  DA  BENFEITA

Tempos que já não voltam...

Hoje já não se vêem as lavadeiras cantando ao desafio, na ribeira, com as suas crianças brincando, dentro de água, ou correndo e jogando alegremente, pelo Areal.

Desapareceu também o cheiro das barrelas e da roupa branca lavada, estendida sobre a erva, a corar ao sol. E, desde há muito que não há erva no Areal e, deste, já só resta mesmo, o nome.

Para nossa felicidade ainda nos restam os sons cristalinos da água sobre as pedras da ribeira e o cheirinho fresco da hortelã, enquanto tentamos compreender essa actividade feminina na sociedade benfeitense de então.

Mas o fim desta actividade era previsível (e desejado) por essas pobres mulheres que tanto ansiavam pela instalação de água canalizada em suas casas, para se aliviarem do pesado fardo de carregá-la em cântaros, dos chafarizes, mesmo ainda ignorando que, algum dia, alguém iria sonhar construir uma máquina de lavar roupa, que fizesse todo aquele trabalho, dentro de casa, deixando-lhes tempo livre para se dedicarem às suas crianças e aos seus maridos, bem como a tantas outras tarefas menos desgastantes.

Os tempos eram outros, é verdade; mas, nem por isso, melhores!

... hábitos que ainda perduram!

Estas simpáticas benfeitenses, continuam esfregando, batendo e torcendo a roupa na ribeira, fazendo parte de um pequeníssimo grupo de mulheres que ainda cultiva esse hábito. Luísa, Fernanda e Rosa, sempre fizeram este trabalho, pelo menos uma vez por semana, e, por enquanto, "ainda não precisam de máquinas para lavar a roupa", dizem. Mais tarde, com o avançar da idade, quem sabe? Segundo elas, não precisam fazer jogging, aeróbica, step, ou outras "finuras", para se manterem em forma. O campo e a ribeira são o seu centro de fitness!

A lavadeira

Naquela ribeira,
Naquele remanso,
Onde as águas fazem
Como que um descanso,
Linda lavadeira,
Busto divinal,
Bate o linho novo
Do seu enxoval.

Andorinha leve,
Prestes a voar,
Linda borboleta
Que busca o seu par,
Pela veia d'água,
Límpido cristal,
Passa a teia branca
Do seu enxoval.

Sobre a pedra lisa
Bate o seu fiado,
Para a sua cama,
Para o seu noivado;
E na verde relva,
Junto do areal,
Brilham finas peças
Do seu enxoval.

Pela areia branca
Do estendedoiro
Bate o sol em cheio
Como chuva d'oiro.
Que lindo justilho!
Que lindo avental!
Que lindo vestido
Que rico enxoval!

Olhos negros, negros
Olhos tentadores,
Quem mos dera, dera
Para os meus amores!
Peito afadigado,
Lindo rosto oval,
Vai lidando sempre
No seu enxoval!

Como um passarinho,
Sobre tenra flor,
Se vê outro em frente
Canta com ardor,
Lembra-se do noivo,
E a pensar em tal
Toda se remira
No seu enxoval!

Bela franganita,
Lindo olhar esquivo,
Que me deixa agora
Mais morto que vivo,
Naquela ribeira,
Naquele areal,
Bate o linho novo
Do seu enxoval.

Pois que é do seu gosto
Deixem-na lidar,
Môça casadoira,
Prestes a casar;
Saberá um dia,
Não lhe queiram mal,
Que tece a mortalha
Quem faz o enxoval!

SIMÕES DIAS
in Peninsulares

Jornal de Arganil
05/10/1972

BENFEITA, 28 - Há dias, ouvimos dizer que um técnico de Arganil viera instalar numa residência, sita no bairro de Santa Rita, uma máquina eléctrica de lavar roupa, das mais modernas e eficientes e vimos entrar num estabelecimento comercial, vinte ou trinta mulheres e raparigas, num corrilório, a comprarem lixívia, em garrafas, em jarras e em alguidares de plástico.
Como os tempos mudam! Até na forma de lavar as roupas caseiras!
Antigamente, num tempo ainda não muito distante, as mulheres e as raparigas da Benfeita, sempre tão asseadas, em si mesmas, nas roupas do corpo e da casa, iam todas as manhãs de segunda-feira para a ribeira, levando à cabeça, em regra, em "alguidares", montes de roupa para lavar, ocupando em grupo os seus lugares habituais. Umas junto à Ponte do Cabo, outras - talvez em maior número - no Areal, à sombra do amieiro (onde de verão apareciam terríveis formigas de cabeça avermelhada) e, ainda, perto do moinho da carreira, entre o pontão de madeira e a fonte do fundo, ou na levada que havia próximo da Ponte Fundeira.

Nesse tempo o sabão era pouco e caro, mas a roupa, fosse qual fosse, ficava maravilhosamente bem lavada, porque depois de uma boa esfrega, ensaboada e batida, quando convinha, na pedra-lavadoiro, era posta a corar ao sol ou metida em prolongada barrela e, depois de lavada segunda vez, em água corrente.
A segunda-feira era também, então, um dia de grande divertimento e alegria para a rapaziada que, atraída pelo mulherio, se reunia no Areal em brincadeiras várias, tocando "trelecas", jogando a "bilharda", a "barra" e "ao prender" e outras.
Mas o que mais interessava à miudagem era ajudarem as mães, irmãs ou tias, a alimentarem, com braçados de carqueja, cavacas ou outras lenhas, as fogueiras sobre as quais borbulhavam as águas ferventes que haviam de ser despejadas sobre os "barreleiros" e, depois de passarem pelas cinzas lançadas no bocal coberto de estopa, ou de linho, ficavam a embeber e repassar toda a roupa.

O Areal não tinha muro, como agora; descia em declive sobre a ribeira. As grandes caldeiras de cobre, douradas por dentro, mas negras por fora, do fumo da lenha, alinhavam-se junto à parede da primitiva escola, suspensas em trancas de ferro ou madeira; entre elas os "barreleiros", de vários tamanhos. E não havia nódoa, mesmo de fruta, mascarra de carvão, tinta ou outra sujidade ou imundice de qualquer origem, que uma boa cora ou uma barrela bem feita não fizessem desaparecer!
Havia nesses tempos quem, em certos casos renitentes, usasse o célebre "cloreto", mas nenhuma boa dona de casa o usava, ou consentia que o usassem nas suas roupas, porque era sabido e provado que o "cloreto" as "queimava", enfraquecia e deteriorava.

Correram os tempos, mudaram os usos e os costumes, por isso as grandes barrelas e o coramento das roupas já não se vêem; o "Omo" e o "Presto" chegaram já à Benfeita, mas a moda agora é a "lixívia" de que se vendem trinta, ou mais litros por semana!
Em certo período da Guerra, quando o sabão faltou totalmente nas "vendas" as mulheres da Benfeita aprenderam a fazer, elas mesmas, um sabão que, se não substituía inteiramente o de compra, remediava ... Para tanto, empregavam três produtos de origem caseira, borras de azeite, cinzas da pilheira e sebo de animais, e uns "pozinhos", mandados vir da farmácia, de soda cáustica.
Mas então ainda a barrela e o coramento da roupa ao ar livre, durante o dia ou da noite, ao sol ou mesmo à chuva, continuavam a impor-se, como rainhas do bom asseio aldeão, sabe-se lá se para bem das roupas e comodidade das gentes.

Desde há muitos séculos, as lavadeiras usavam barrelas, para tirar as nódoas de gordura das roupas. Tomavam as cinzas dos vegetais, ferviam-nas em muita água e deitavam-nas, imediatamente, sobre a roupa. Algum tempo depois, a roupa podia ser metida na água e ali abandonava as cinzas insolúveis e as nódoas de gordura.
A explicação é simples: As cinzas contêm carbonato de potássio e carbonato de sódio. A água dissolve estas substâncias e, a uma temperatura elevada produz-se, com a gordura das nódoas, um sabão que é solúvel na água.