POETAS  DA  NOSSA  TERRA

SIMÕES DIAS

A TUA ROCA

uando te vejo à noitinha
Nessa cadeira sentada,
Xaile cruzado no peito,
Na cinta a roca enfeitada;

Os olhos postos na estriga,
Volvendo o fuso nos dedos,
Os lábios contando ao fio
Da tua boca os segredos;

Eu digo, sem que tu oiças,
Pondo os olhos na tua roca:
Se eu um dia fosse estriga,
Beijaria aquela boca!

Que eu nunca te vi fiando
Sem invejar os desvelos
Com que desfias do linho
Os brancos, finos cabelos!

E aquela fita de seda
Com que enleias o fiado,
Irmã do lacinho verde
Que trazes no penteado?

Parece aquilo um abraço
De um amor que é todo nosso,
A trança do teu cabelo
Em volta do meu pescoço!

É por isso que eu murmuro
Vendo a fita que se enreda:
Quem me dera ser estriga,
E ela a fitinha de seda!

Eu já não sei o que sinto,
Se tristeza, se ventura,
Mal que suspendes a roca
Da tua breve cintura!

Penso que fias nos dedos
Os dias da minha vida,
Ao pé de ti sempre curta,
Ao longe sempre comprida!

Pareces-me um ramalhete
Sentada nessa cadeira,
E a fita da tua roca
A silva de uma roseira!

Meu amor, quando acabares
De espiar a tua estriga,
Se ouvires por alta noite
Soluçar uma cantiga,

Sou eu que estou a lembrar-me
Da tua divina boca,
E penso que em mim são dados
Os beijos que dás na roca!

José Simões Dias - "PENINSULARES" - 1870

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