José Simões Dias
A volta do peregrino
ver-vos
torno, ó grutas,
Ó côncavos penedos,
Onde hei depositado
Meus infantis segredos!
Vós me estais recordando
O tempo em que me vistes,
Hinos cantando alegres,
Canções chorando tristes!
Lá quando o sol da tarde
Vos circundava a crista,
Trono celeste donde
Se espraia ao longe a vista;
Ai! Quantas, quantas vezes
Me fui sentar, e os braços
Cruzando, interrogava
A mudez dos espaços!
Montanhas arrelvadas,
Vergéis do meu país,
Vendo-vos torno aos dias
Dessa idade feliz!
Feliz porque sonhando
Andava a toda a hora,
Na doce paz tranquila
Que já não vejo agora!
Por isso eu vos saúdo,
Por isso eu vos bendigo,
Lugares que me fostes
Berço, consolo e abrigo!
Ainda agora ao ver-vos,
Ó campos tão queridos,
A alma se me dilata,
E me invade os sentidos.
Um não sei quê de vago,
Um tão suave encanto,
Que involuntário acode
A borbulhar meu pranto!
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Além campeia a torre
Da solitária igreja,
E ao pé triste cruzeiro
No cemitério alveja!
Humilde cemitério,
Onde eu colhia flores,
Pobre inocente! Enquanto
Outros carpiam dores.
Quão outro me pareces,
Agora que eu procuro
Reler em cada lápide
O enigma do futuro,
E decifrar a letra
Das linhas apagadas
Do livro que se estende
Por cima das ossadas!
Ai! Quem me dera agora
A cândida ignorância
Dos tempos que sorriram
À minha alegre infância!
Então nem eu sabia
Que dores simboliza
Sobre essas frias lousas
Uma cruz por divisa!
Então um cemitério,
A recender a flores,
Era um breve canteiro
Falando-me de amores!
Agora não; se tento
Voltar aos dias belos,
Logo me assalta o bando
Dos negros pesadelos.
Levanto o pó da terra,
Amasso-o com meu pranto;
Quero da eterna inércia
Quebrar o eterno encanto;
Dou-lhe o calor do seio,
Entorno-lhe mil ais;
Quem te animou? - Pergunto,
Silêncio e nada mais!
E assim, baixando os olhos
Me fico horas perdidas,
A perguntar à morte
Que fez de tantas vidas?
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Mas para que envolver-me
No horror desse mistério,
Se tu me abres a porta,
Meu velho cemitério?
Se em ti me estende os braços
Aquela santa cruz
Que eu abracei na infância,
E onde morreu Jesus?
Bendita seja a hora
Em que te torno a ver,
Ó terra abençoada,
Que és parte do meu ser!
Quando te piso e apalpo,
Que sonho e que ilusão!
Penso que vive ainda
Meu pobre coração!
José Simões Dias
"PENINSULARES" - 1870

 
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