POETAS  DA  NOSSA  TERRA

FERNANDO FERREIRA

SONETOS

hamem-me inconsciente os que não são
E riam-se de mim os que não choram.
Fartem-se de maldade os que a devoram
Que continuo dizendo sempre NÃO.

Chamem-me tolo os cheios de razão
Que os incautos e parvos exploram
E a quantos crentes Deus em vão imploram.
Eu continuo dizendo sempre NÃO.

Olhai de frente a vida e vosso mundo
E vede bem que abismo mais profundo
Mais duro e vil não há de imperfeição.

Obriguem-me a viver... eu viverei.
Obriguem-me a sofrer... eu sofrerei.
Porém, continuarei dizendo NÃO.

ruel dilema o meu. Cruel destino,
Viver num mundo vil, num mundo atroz
E não acompanhar com minha voz
O que o mundo murmura em desatino.

E não saber sentir, tal como vós,
Ser traiçoeiro, rude, mau, ferino...
E ser assim e crer como um menino
Que brinca tranquilo entre os avós.

Por isso, ri-se o mundo e toda a gente
Porque não passo alheio, indiferente
Às vozes e ao riso e à maldade.

Dize-me vida quem terá razão,
Se serei eu quem vive na ilusão
Ou essa triste e pobre humanidade?

e ser Poeta é crer, ter confiança,
Amar sem nada esperar ou receber...
Se ser Poeta é menos do que ser,
No mundo de maldade, uma criança...

Se ser Poeta é dar amor e ter
No coração ausência de vigança
E acreditar no bem e na esperança
Na vida que se vive a padecer...

Se ser Poeta é não saber mentir
Não praticar o mal para ferir
Com intenção de ferir como uma seta...

Se ser Poeta é ver, sentir beleza
E olhar enternecido a Natureza,
Então sim, eu serei - eu sou Poeta!

u sou o ser que vive porque existe
E crê numa outra vida, no Além,
P'ra quem a morte uma razão contém,
P'ra quem a vida é simplesmente triste.

Sou a distância entre o Mal e o Bem,
Sem conhecer, em mim, qual subsiste.
Eu sou aquele que vês e nunca viste,
Aquilo que todos são... sem ser ninguém.

Sou o enigma igual a toda a gente
Que chora e ri, verdade fala e mente
Formando a humanidade, assim, formada.

Sou corpo. E sendo corpo, sou vingança,
Sou alma. E por ser alma tenho esperança.
Sou tudo e tudo sendo, não sou nada!

u sou aquele histrião que não faz rir
O dramaturgo que não faz chorar.
Eu sou a mó, já velha, que ao rodar
Não consegue sequer o grão partir.

Eu sou aquele adeus que o recordar
Impõe triste lembrança do partir.
Eu sou o sopro vago do Porvir
Do qual nada já há para esperar.

Eu sou o desperdício solto ao vento
Rolando indiferente e sem vontade
Num bailado infernal sem um lamento.

Que posso eu ser sem ti, ó minha amada?
Um grito rouco, um eco, uma saudade.
Sem ti, ó meu amor, eu não sou nada!

into tédio e desprezo. Que perdi?
Aonde te deixei, coração puro?
Já nada encontro, neste vago escuro
Apenas ódio. Nada sou sem ti.

Onde encontrar a esperança no futuro?
A ternura, o amor que já senti?
Toda essa vida alegre que vivi
E que debalde, agora, em vão, procuro?

Tão arrogante estás que já não sei
Se aquela que perdi e tanto amei
Por ti, teria sido assim tão querida...

Só penas, coração, padeço agora.
Ó Morte vem depressa, sem demora
Leva também a minha triste vida.

 

Fernando Ferreira
in: POEMAS, 1989

Voltar Subir Avançar