CARLOS  DA  CAPELA

Carlos Alberto Nunes Dias, nasceu em Moçambique, na Ilha de Moçambique, no distrito de Nampula, em 18/02/1953, local mítico e de rara beleza, onde viveu até aos 8 anos de idade e por onde, quatro séculos antes, passaram Vasco da Gama e Luís Vaz de Camões.

Em 1961, quando já se começava a adivinhar o início da guerra colonial, vem para Portugal com os seus pais, Alberto Bernardo Dias e Lucinda de Assunção Nunes Dias, tendo ido viver para a Benfeita, local onde nasceram seus pais e avós, e a sua irmã Maria Amabília.

Formou-se em Artes Plásticas na Escola Superior de Belas-Artes, do Porto, cidade onde reside actualmente.

Casou com Inês Guedes de Oliveira da qual teve 3 filhos (Francisco, António e Leonor).

É professor no Colégio dos Órfãos do Porto, desde 1980, nas áreas das Artes Visuais e das Tecnologias e também História das Artes Gráficas e Expressão Dramática. A sua acção docente estende-se, também, à "Árvore", cooperativa artística fundada em 1963.

É sócio-fundador da Editorial Moura Pinto, associação cultural com sede em Côja que tem como objectivos: o estudo, preservação e divulgação do património cultural da região.

Utiliza os pseudónimos "Carlos da Capela" na sua actividade literária, (porque a casa dos pais, onde viveu, na Benfeita, se situa em frente à Capela de Nossa Senhora da Assunção) e "Alberto Péssimo" na artes figurativas (sendo que "Péssimo" era a alcunha pela qual era conhecido o seu avô António Francisco Nunes); mas, os seus amigos de infância tratam-no por "Cardoso", heterónimo que já lhe vem dos tempos da escola primária.

Na Benfeita são conhecidos os seus trabalhos de pintura nos painéis de madeira dos tectos das capelas de São Bartolomeu e de Nossa Senhora das Necessidades, o presépio em cerâmica na Capela de Nossa Senhora da Assunção e as pinturas representativas de S.João Bosco e de Santa Rita na Capela de Santa Rita.


Tecto da capela da Senhora das Necessidades

Tecto da capela de São Bartolomeu


Presépio na capela de Nossa Senhora da Assunção


S.João Bosco na capela da Santa Rita

Santa Rita na capela de Santa Rita

Na sua obra como escritor, Carlos da Capela, tem editados, entre outros, os seguintes trabalhos:

. 1987 - "As Alminhas Populares" - Editora "A Comarca e Arganil"
. 1988 - "Cancioneiro da Benfeita" - Editora "A Comarca de Arganil"
. 1989 - "Benfeita, Movimento Regionalista" - Edição do Autor
. 1998 - "Itinerário na Benfeita de Simões Dias" - Editorial Moura Pinto
. 2007 - "Crime da Abilheira" - Editorial Moura Pinto
. 2013 - "Os Dois Almocreves" - Letras & Coisas
. 2014 - "O Tricentenário de Camões, 10 de Junho de 1880 e o Poeta José Simões Dias" - Editorial Moura Pinto
. 2022 - "Árvores" - Ilustrações a tinta da china, de Alberto Péssimo - Letras & Coisas
. 2023 - "Santa Rita milagrosa das coisas impossíveis" - Editorial Moura Pinto

Alberto PéssimoComo pintor, Alberto Péssimo, tem uma vasta obra e inúmeras participações em exposições individuais e colectivas, salientando-se, ainda, outras intervenções noutras áreas de actividade do seu percurso no mundo das artes plásticas como cenografias para cinema, teatro e televisão.

Algumas dessas exposições merecem uma especial referência:

. 1983 - "Pintura" - Cooperativa Árvore
. 1990 - "Pedra de Canto" - Cooperativa Árvore
. 1987 - "Tábuas Pintadas" - Galeria Forum
. 2001 - "As Meninas" - Sala Guilherme Filipe
. 2002 - "Coração das Tripas" - Cooperativa Árvore
. 2003 - "Campos de Batalha" - Esteta Galeria
. 2006 - "História da criação" - Cooperativa Árvore
. 2007 - "Desenho e pintura" - Palacete dos Viscondes de Balsemão
. 2009 - "A criação do mundo" - Galeria Arte & Gourmet, Guimarães
. 2014 - "Jardins" - Casa do Cruzeiro (Felgueiras)
. 2017 - "Fogo no paiol" - Galeria Municipal de Matosinhos
. 2017 - "Sonhar a Bíblia" - Museu da Misericórdia do Porto
. 2017 - "Lavoura" - Lugar do Desenho / Fundação Júlio Resende
. 2017 - "Húmus" - Espaço Miguel Torga, São Martinho de Anta

 

Como ilustrador, Alberto Péssimo, colaborou nas seguintes publicações:

. 1991 - "Múmia" - Poesia - Regina Guimarães - Editora Hélastre
. 1992 - "Uma Árvore como se fosse uma Raínha" - Poesia - Regina Guimarães - Editora Hélastre
. 1993 - "Parti pas pris" - Textos de Saguenail (Serge Abramovici) - Editora Hélastre
. 2011 - "Mãe" - Nuno Higino - Letras & Coisas
. 2017 - "O Poeta Solar São Francisco de Assis" - Texto de J.Alberto Oliveira - Letras & Coisas
. 2018 - "Margens" - Antologia de textos literários e outros - Agrupamento de Escolas de Amares
. 2018 - "O Menino da Neve" - Poesia - Amadeu Carvalho Homem - Editorial Moura Pinto
. 2019 - "Fábulas angolanas" - Textos de José Luandino Vieira - Letras & Coisas

Cadernos do CAOS
2002

Carlos Dias - Artista Plástico

Plurifacetado, Carlos Dias, artista plástico, vai tocando a genialidade. Intranquilo na forma de ser e estar, profundamente autêntico, percorre a tranquilidade de quem age com segurança e claridade.

Acho que foi sempre esta autenticidade telúrica que nos uniu no afecto que é perene, mais ou menos frequentes os encontros.

Vou-lhe seguindo o percurso, não de forma obsessiva, mas com a curiosidade e o interesse que esse percurso justifica. Percurso que só não é obscuro porque a luz é demasiado intensa. Sem um toque de tentativa de evidenciação.

Fui reencontrar o Carlos Dias (Alberto Péssimo de pseudónimo) a dar aulas num curso nocturno para adultos na cooperativa de actividades artísticas "Árvore".

A nossa conversa começou durante um almoço no Suribachi, com o Carlos a falar sobre aquele grupo de trabalho da Árvore com os quais pretende fazer uma exposição, mas logo virou para áreas quase irreproduzíveis. Porque não quer nada com tecnologias, o gravador é proibido e, como a conversa surge em catadupas, memorizados ficam tópicos da essência.

As artes? O Carlos coloca a música em primeiro lugar e a seguir vem a poesia. Só então surgem as artes plásticas. E o almoço come-se em pinceladas de cultura solta. Camilo Pessanha, Vitorino Nemésio entre muitos outros nomes. Manuel da Fonseca e Eugénio de Andrade e os jovens e recentes poetas que continuam a surgir. Os livros dos poetas e a forma. Pequenos, de bolso, para consulta. É que a poesia é para se ir lendo. Pareceu-me perceber que vai ajudando ao encontro de si próprio.

A nossa conversa vai continuar na próxima semana, mesmo horário, mesmo figurino. Mas fica desde já a noção que sempre tive: o Carlos Dias é um poço sem fundo, é um espaço sem limites e é, assim, um permanente desafio do que vale a pena.

16 de Maio, segundo almoço.
O nosso segundo almoço desta entrevista começou com a volta ao mundo pelo que tão intensamente nos une: a procura de alternativas para um planeta doente comandado pela demência depredadora.

E lá estavamos. Na ecologia, na sustenção, na agricultura, no equilíbrio entre o interior e litoral, na indústria. De forma solta e leve com a comuna de Paris no pensamento, adeptos de uma outra mas necessária globalização, do multiculturalismo.

Tudo isto, para mim, é justo que o diga, com sumo de laranja e doce de framboesa.
Mas foi hoje então que fiquei a saber que o Carlos nasceu na Ilha de Moçambique em 1953 filho de um pai comerciante e que aí viveu até aos oito anos.
E então falou-me de como era a Ilha, habitada por presos políticos que dormiam no forte mas circulavam de dia pela cidade e que eram respeitados pela população e constituiam uma certa elite intelectual.

Aos oito anos, o Carlos chega a Lisboa com os pais e o seu primeiro espanto é ver mulheres brancas com coisas à cabeça...

Chegado a Portugal vai viver para a Benfeita, Arganil.

Voltámos a encontrar-nos a 6 de Junho e a conversa, correu solta. A pressão da situação sócio-económica e política é tão forte que o Carlos, quiçá demasiado alérgico a protagonismos, se esbate na história e nas histórias. Torna-se difícil falar dele já que ele prefere falar com e sobre, sobretudo, sobre tudo. É um intenso e profundo humanismo transcendente que o faz estar ligado a tudo e totalmente integrado.
Falámos de ética. E de estética. Alguém que ele citou disse ser a estética a ética do futuro. Concordámos na essencilidade da ética. Na vida, na política, na sociedade. E concordámos também com o tal citado cuja citação não surgiu por acaso.
Os afectos, as ligações, as pontes e sempre... a beleza. O belo integracionista na complementaridade das imperfeições.

O Carlos é alguém encantado pelo belo no feminino surgido naturalmente do erotismo da complementaridade essencial. Mas completamente alheio ao belo da forma despido de conteúdo. O seu olhar de artista é prescrutador das águas profundas e depois aprecia a forma quando ela é consequente com o conteúdo. Mas é pessoa de uma enorme abertura e tolerância.

Os nossos encontros são breves. Dali ele sai para ir dar mais umas aulas no Colégio dos Orfãos.

Para além de uma vasta cultura - é um amante de livros e alfarrabistas - o Carlos é um artista plástico de tal envergadura que se move, em liberdade e com intranquila segurança em todas as áreas das artes plásticas, da pintura à escultura, da gravura à serigrafia, à criação de bonecos, instalações na via pública, cenários para espectáculos de teatro.

Eu confesso que, se souber que um espaço cénico é da sua autoria, me desloco para o ver independentemente do resto do espectáculo.


Maria Eduarda Castro

Jornal de Notícias
10/07/2006

Alberto Péssimo revisita a "história da criação"

Elegeu o figurativo como linguagem e utiliza-o coerentemente ao longo da sua vasta carreira como pintor. Alberto Péssimo, pseudónimo de Carlos Dias, está actualmente a expor na cooperativa Árvore, no Porto.

Autor de um traço característico e particular, Péssimo privilegia o corpo humano, especialmente o da mulher, para sobrevoar as suas telas, as madeiras e os papéis.

Na presente mostra, o pintor constrói um conjunto de quadros que se nos afiguram como páginas de livros que nos levam a recuar no tempo. O observador perante as imagens vê-se, em primeiro plano, frente a uma espécie de páginas que o colocam frente à criação do Mundo. Na realidade evocam-nos passagens dos momentos da criação.

A pintura de Alberto Péssimo tem em boa verdade essa particularidade. Conta-nos histórias, envolve-nos com as personagens e, mais do que tudo, coloca-nos uma espécie de asas ou de "motores" (cada um escolhe o que quiser) que nos proporciona uma viagem a um mundo evidenciado pela forma e pela cor.

Os recentes óleos sobre madeira de Péssimo transportam-nos para um universo onde os principais protagonistas são homens e mulheres em permanente diálogo com animais, com relevo para bichos selvagens.

Aparentemente executados com espontaneidade, os trabalhos do pintor deixam, por outro lado, transparecer que por trás da mancha está necessariamente um traço estudado e cuidado que nos narra situações, que nos levanta questões e, principalmente, nos suscita algumas inquietações.

A pintura, essencialmente a de grandes dimensões que está exposta até ao dia 25, faculta-nos uma espécie de senha ou de "passaporte" que nos dá acesso a "um livro de histórias" gigantes, cujas personagens nos lançam sedutores olhares. São, possivelmente, convites para a reentrada no mundo colorido, fantástico, que quer inquietar e agitar (já o consegue) o pensamento do comum dos mortais.

Acrescente-se que Alberto Péssimo nasceu em Moçambique e possui o Curso de Artes Plásticas da Escola Superior de Belas-Artes do Porto. Além de pintor e docente, Péssimo é cenógrafo e tem obras nas áreas da cerâmica, gravura e serigrafia.

Agostinho Santos

Exposição "Húmus"
05/10/2017

Alberto Péssimo: Um pintor que gosta de árvores

Exposição "Húmus"Carlos Dias, mais tarde Alberto Péssimo, veio de África, dum paraíso perdido na costa oriental do continente, a Ilha de Moçambique, onde nasceu a 18 de Fevereiro de 1953. O seu gosto pela pintura e pela escultura vem daí. Na Benfeita, em Coimbra e no Porto encontrou depois, em etapas sucessivas da sua vida, a motivação e a técnica para se tornar pintor. Desde o final do curso na ESBAP, pintou muito e expôs relativamente pouco.

Durante o Outono de 2016, o prédio onde está situado o seu atelier entrou em obras de ampliação. Foi necessário derrubar uma boa parte dum pequeno bosque que lhe era contíguo, ficando reduzido a meia dúzia de árvores. Por essa mesma altura, Péssimo começou a pintar com tinta da China, em papel de cenário, grandes painéis de árvores, talvez três dezenas de obras. Na mesma altura pintou um cenário, com o mesmo motivo, e de maior dimensão ainda, para servir de cenário a Os Cegos, de Materlink, levado à cena no Teatro Circo, em Braga. E já antes, tinha pintado sobre pequenas placas de madeira o mesmo tema, cerca de 50 pequenas placas, umas como aproveitamento de restos de placas maiores, outras mandadas cortar para o efeito. O tema das árvores não é novo nele. São-lhe conhecidos trabalhos anteriores diversos, nomeadamente os que deram origem à exposição Campos de Batalha, em 2003.

Muitos pintores usaram as árvores, sobretudo os troncos verticais para marcar a composição do quadro (Cézanne, Gaugin…). Nestas pinturas de Alberto Péssimo, porém, as árvores são tudo. Elas ocupam todo o cenário, deixando apenas espaço para alguns carreiros de luz.

Este regresso frequente às árvores e à floresta estará ligado às paisagens moçambicanas da infância mas, sobretudo, ao contexto florestal da sua Benfeita, em particular à Mata da Margaraça. Poderá também ter que ver com os incêndios que, ano após ano, dizimam a floresta nacional.
Mas, do ponto de vista estético, não podemos deixar de pensar num artista que Alberto Péssimo muito admira e que o terá influenciado, ainda que remotamente: Anselm Kiefer.

A floresta tem no nosso imaginário cultural uma força tremenda. A floresta é um espaço de medo e fantasia, uma fonte de lendas, mitos, fábulas; um espaço propício para a invenção de figuras fantásticas: fadas, faunos, gnomos, lobisomens, monstros ferozes. Muitas das histórias infantis que conhecemos têm na floresta o seu cenário habitual. É reconhecida a influência das histórias dos Irmãos Grimm na obra de Kiefer. A floresta agita e alimenta a imaginação, sobretudo a imaginação dos escritores e dos artistas. A floresta, com as suas forças tenebrosas, situada fora dos lugares habitados, é um lugar de solidão e medo, povoado de feras reais e seres inventados. Húmida, espessa, coberta de névoa e musgos, torna-se o cenário ideal para descrição de medos e aventuras. A viagem de Dante na Divina Comédia começa num bosque escuro: eu me encontrei por uma selva escura (...) esta selva selvagem, áspera e forte. E logo foi rodeado por três feras: a onça, o leão e a loba.

Nuno Higino

Os trabalhos que se seguem fizeram parte das obras de Alberto Péssimo exibidas na Exposição de Pintura e Desenho no antigo Palacete dos Viscondes de Balsemão, também conhecido por palácio do Visconde da Trindade, actual edifício-sede da Direcção Municipal de Cultura, da Câmara Municipal do Porto, durante os meses de Junho e Julho de 2007.






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