ANTIGOS  USOS  E  COSTUMES

As Levadas da Benfeita

O Verão da Benfeita trás a água na levada. Este, é um antigo dito popular que esclarece, quem não souber, que é durante o tempo quente que funciona, na Benfeita, este sistema de rega, que utiliza a água trazida das ribeiras.

Mas, afinal, o que são as «levadas»? - São pequenos cursos de água, desviados das ribeiras da serra, que permitem levar a água às culturas mais distantes, aproveitando a inclinação natural do terreno que percorrem.

Por outras palavras, quando um curso de água tinha desníveis abruptos e acentuados (quedas de água), como é o caso da Ribeira da Mata e da Ribeira do Carcavão, construía-se um desvio, na parte superior, que recolhia a água e a levava, através de uma vala ou rego, o mais longe possível, baixando gradualmente de altitude, o que permitia a sua circulação, livre e natural. 

É costume as pessoas interrogarem-se: Como é que a água das levadas corre no Oiteiro se a água da ribeira corre lá em baixo? A resposta é fácil de entender e nada tem de mágico: A água da levada vem da ribeira, mas não é captada lá em baixo! Ela vem de longe e é desviada para a levada, num local onde a ribeira corre a uma altitude superior.

Esta "engenharia hidráulica" nada tem de mágico, é obra da Natureza. O Homem só tomou parte nela para dar um jeitinho, aqui e ali, por forma a encaminhar a água para onde ela era precisa.

As levadas percorriam a parte mais elevada dos terrenos de cultivo que abasteciam, normalmente dispostos em socalcos e possuiam caixas de distribuição, com tampões de pedra que, ao serem abertos manualmente, conduziam a água aos regueiros particulares cuja abertura estava sujeita a certos condicionalismos, nomeadamente, dias da semana e horários (que tanto podiam ser de dia, como de noite). Isto significa que cada terreno tinha (e tem) um horário de abastecimento de água pré-determinado, conforme o seu ponto de localização na levada e a dimensão do terreno.

Neste sistema de regas, a partilha da água era, muitas vezes, razão para atritos e desavenças entre os agricultores e os almotacéis (pessoas encarregadas de tratar da distribuição da água e de fiscalizar o estado das levadas), e com os agricultores, entre si, que, por vezes, se atrasavam ou esqueciam de fechar as suas caixas, na altura devida, comprometendo os horários dos restantes beneficiários da levada, regulados e comandados pelo relógio da Igreja.

Mas, a água das levadas não era só utilizada para a rega dos terrenos de cultivo, o bem era comunitário e a ele tinham acesso inúmeros engenhos mecânicos, como era o caso das azenhas dos lagares de azeite e das mós dos moinhos que trituravam os cereais.

Ao longo dos anos, o leito destas pequenas valas artificiais, foi sendo sucessivamente melhorado, estando quase todo o seu percurso em perfeito estado de conservação, todo cimentado e coberto com lages de xisto ou de cimento e com caixas de distribuição, também em pedra e cimento. Actualmente alguns trajectos que requeriam maior preocupação de manutenção, como desobstrução de pedras e limpeza de ervas e folhas secas, foram substituídos por tubagem apropriada.

Vivaldo Quaresma

Jornal de Arganil
05/09/1963

As levadas de rega na freguesia da Benfeita

BENFEITA, 29 - Perdeu-se, por completo, do conhecimento dos homens e mesmo da tradição que nos veio dos tempos mais recuados, a origem das "levadas" que, coleando as encostas, permitem o cultivo das inúmeras "quelhadas" que sobem das ribeiras a alturas que fazem espanto.
Um corógrafo, cujo nome nos não ocorre de momento, afirma até que o nome da bem alcandorada e simpática povoação das Luadas promanaria, não sabemos se com bom fundamento, da palavra "levada" que por corrutela se transformaria, primeiro em "Leuadas" e, depois, pelo desaparecimento do "e" e mudança do "v" em "u", em Luadas. Do mesmo modo há quem ligue, sabe Deus se com alguma verosimilhança, a existência de certas "levadas" à necessidade que os povos antigos, designadamente os romanos, teriam de levar, por aquela forma, até junto das minas que abriram e exploraram, a água indispensável à boa preparação dos metais desenterrados, pela separação, por lavagem, das terras, escórias e outras aderências inúteis.
Fosse como fosse, as "levadas" que todos nós conhecemos, são cursos de água, preparados e mantidos pelos homens, para regar as terras de cultivo, que sobem pelas encostas, afastando-se mais e mais da margem das ribeiras e que seriam incultiváveis se não recebessem dessas artificiosas linhas de água, a linfa vivificadora e refrescante, que permitiu transformar em húmus as terras matagosas.
Na Benfeita, as mais importantes "levadas" são: a das "almotaçarias" e a de "Santa Rita". A primeira, que terá no seu longo e sinuoso percurso três quilómetros ou mais, colhe água da Ribeira da Mata, ao fundo dos Pardieiros, próximo da Argunte e, depois de atravessar a Benfeita vai pelas terras chamadas da Mó, até perto do barroco da Demieiro. A de "Santa Rita" trás a água da Ribeira do Carcavão, colhida no sítio do Prado, abaixo do Alagão, até às quelhadas que ficam em volta da octogonal capela daquela Santa, num percurso que não deve ser inferior a um quilómetro.
Outra designação deveria ter antigamente esta "levada", talvez dos "Boiços" como por vezes lhe ouvimos chamar em pequenos, porque a sua existência é indubitavelmente anterior à construção da ermida.
No princípio da época das regas reúnem-se os utentes de cada "levada", isto é, todos os proprietários ou rendeiros das terras regadas por ela e, sob a direcção do "almotacel", designado anualmente pela Câmara Municipal, reconstituem o açude ou presa na ribeira e reparam, em toda a sua extensão, o leito da "levada" para que não tenha fugas, obstruções, desperdícios ou outros danos ou deteriorações, que prejudiquem o livre, conveniente e perfeito curso da água.
E se durante o Verão, qualquer malefício, proveniente da inconstância do tempo ou das forças da Natureza, vem prejudicar as "levadas" ou a livre e conveniente circulação da água da rega, são ainda os utentes que acorrem a reparar os danos e a reporem a "levada" em perfeito estado de funcionamento, como são eles que devem desimpedir o leito da ribeira findo o período do regadio.
As "levadas" são, assim, uma curiosa forma de propriedade colectiva, que vem de tempos imemoriais e subsiste ainda, quer consuetudinariamente, quer tornada regulamentar nos casos dos aproveitamentos hidráulicos ultimamente estimulados e subsidiados pelo Estado.
Nem o facto de o "rebordo" ou "caminho", que em regra forma o resguardo do leito propriamente dito da "levada", ter caído no domínio público e ser utilizado por todos em geral, utentes ou não, fez perder às "levadas" a sua natureza e característica de propriedade colectiva de todos os regantes.
A palavra "almotacel" designava nos tempos medievais o oficial público que inspeccionava os pesos e medidas e fixava os preços dos géneros; entre nós parece ter sempre significado apenas, o regente ou governador de cada uma das "levadas" com a autoridade que lhe adivinha da entidade pública que o escolhia e nomeava. A sua remuneração era e é, paga pelos utentes da "levada", em géneros e na proporção do valor das terras regadas ou das suas colheitas.

Jornal de Arganil
19/06/1958

ALMOTACEIS

Foram nomeados almotaceis para as seguintes levadas de correição:

Freguesia da Benfeita:

Levada das Almotacerias - António Gonçalves e António Nunes da Costa Júnior.
Levada de Santa Rita - José Carlos Nunes e Alfredo Nunes dos Santos Oliveira.
Levada Nova - José Augusto Martins Pinto e António Alberto Martins.

Levada da Torre (Luadas) - António Nunes Dias e José Simões Dias.

Levada de Calampos (Pardieiros) - Aristides Fernandes e Aurélio Fernandes.