HISTÓRIAS DA NOSSA TERRA |
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O "ALGAÇA" por: Vivaldo Quaresma
O referido túnel, que também já foi conhecido por "Passagem do Branco" por atravessar a casa de António Bernardo Antunes, conhecido por "Branco", falecido em 1982, casado com Alice Gonçalves, falecida em 2002, foi por eles mandado construir, juntamente com a casa, em 1938, para dar acesso às suas "lojas" (assim eram chamados os abrigos para cabras, coelhos, galinhas e porcos, etc.) e permitir cortar caminho para a Rua do Fundo, através da Rua da Carreira.
Em 2014, a Junta de Freguesia da Benfeita colocou 44 novas placas toponímicas na aldeia, para além das 5 já existentes na época, e cujos nomes foram atribuídos de acordo com a tradição popular ou referências orais utilizadas até então, não tendo havido, para além disso, nenhuma justificação ou razão especial que levasse a uma proposta fundamentada, devidamente aprovada e lavrada em acta na Junta de Freguesia, com o parecer da Câmara Municipal de Arganil, onde, eventualmente, pudesse constar a resposta à minha pergunta: «O que era ou quem era a Algaça que constava na nova placa toponímica?» Procurei, então, o significado desta palavra em vários dicionários da língua portuguesa; mas, com esta grafia, não encontrei qualquer explicação ou sinónimo. Ainda se propunha a hipótese de ser a forma feminina de "algaço", designação geral de toda a vegetação que do mar chega às praias, onde se destacam as algas, de espécies variadas, e os detritos de outras plantas marinhas, também conhecidos por sargaço; mas, não me pareceu que a "Algaça" da Benfeita, se pudesse referir a isto ou a qualquer outra coisa com isto relacionada.
Na verdade, Algaça, é também o nome de uma localidade situada no concelho de Vila Nova de Poiares, distrito de Coimbra, a cerca de 53 quilómetros da Benfeita. Será que esta terra teve alguma ligação a alguém da Benfeita? Da Junta de Freguesia recebi a informação verbal de que o nome da placa toponímica homenageava um indivíduo que, em tempos idos, foi muito conhecido na Benfeita. Assim, e apelando à minha boa memória (o que nem sempre funciona), o nome / alcunha "Algaça", podia referir-se à mesma pessoa com quem eu me "cruzei" alguns anos atrás, em fugidías referências, nos textos do Dr. Mário Mathias. Deitando mão aos meus arquivos, logo encontrei o que queria saber em 3 escritos seus. No livro "Benfeita 1963-1965", pág.110, com o nome destacado a marcador neon, lia-se o seguinte:
Logo nesta primeira abordagem, constactei que o nome dado à pequena travessa da Benfeita ostentava um erro de género a que a Junta de Freguesia não era alheia (explicaram-me depois) mas que ainda não tinha conseguido corrigir, devido a um diferendo com o fabricante das placas toponímicas, e que "Algaça" era a alcunha pela qual foi conhecido um excepcional leiloeiro de fogaças, chamado José Augusto. A propósito de como decorriam, outrora, as festividades na Benfeita, o Dr. Mário Mathias volta a mencionar o nome do Algaça:
Na mesma fonte, e ainda a propósito do "Zé Algaça", o Dr. Mário Mathias escrevia o seguinte artigo:
Numa segunda avaliação, e com a suspeita de que a alcunha "Algaça" pudesse estar relacionada com o seu local de nascimento, parti para nova e complicada pesquisa, com os poucos dados biográficos de que dispunha, para confirmar (ou excluir) a possibilidade dele ter nascido na mencionada aldeia de Vila Nova de Poiares. Porém, pesquisado o registo de nascimento do José Augusto "Algaça", apurei o seguinte:
Portanto, a alcunha "Algaça" terá sido atribuída ao José Augusto por outra razão qualquer, e não por se referir ao seu local de nascimento que, como se viu, nasceu na Benfeita, no Casal do Sepinho. Com base nestes textos e no registo de baptismo de dezenas de outras pessoas pude chegar às seguintes conclusões: O José Augusto, de seu nome José Augusto Martins dos Reis, o famoso "Algaça", nasceu no Casal do Sepinho, Benfeita, em 16/01/1862. Foi o primeiro de 10 filhos do casamento realizado em 11/03/1861 de Manuel Martins, 21 anos, viúvo, com Maria da Glória Reis, solteira, de 17 anos. Seu pai, proprietário da fábrica de fósforos "O Tanque", era viúvo de Maria Gonçalves que falecera em 10/09/1859 e com quem havia casado, em primeiras núpcias, em 24/11/1858. Teve 3 irmãos e 6 irmãs: Maria da Ressurreição (25/12/1864); Maria de Nazaré (08/10/1869); Carolina Augusta (16/11/1871); António Martins dos Reis "Suão" (20/05/1874); Manuel Martins dos Reis "Maneta" (19/09/1876); Adelino Martins dos Reis (13/11/1878); Maria de Jesus (29/07/1882); Maria do Patrocínio (03/10/1884); e Maria da Glória, ou Maria da Glória Martins dos Reis (06/10/1898), que casou com o Adelino da Costa e faleceu nova, na Dreia, em 13/05/1927, com 29 anos de idade. Os seus avós paternos foram António Martins Júnior
e Maria Garcia, do Casal do Sepinho, e os seus avós maternos foram
António Fernandes dos Reis e Rita Máxima da Fonseca, da Benfeita.
As duas famílias tiveram uma larga descendência e cruzaram-se
com várias outras famílias conhecidas da Benfeita, como foi
o caso, por exemplo, de uma sua tia paterna, Ana de Jesus, que casou
com José Gonçalves Mathias e foram pais de Leonardo Gonçalves Mathias,
em 13/12/1872 que, portanto, viria a ser primo direito do "Algaça".
Ou a sua irmã Maria do Patrocínio que casou em 10/09/1903,
com José Bernardo Quaresma, irmão do António
"Quinta-Feira", ambos com 18 anos de idade. Em 11/06/1884, o "Algaça", então com 22 anos de idade, casou com Delfina de Jesus, da mesma idade, filha de José Nunes Almas e de Rita Gonçalves, de quem teve 7 filhos: Albertina (13/03/1885); Eleutério (29/03/1887); José (13/02/1890); Diamantino (09/11/1892), Aires (27/12/1894; Genésia (23/02/1900) e Isaura (30/06/1902). Faleceu em Lisboa quando vivia na Vila Zenha (mais tarde chamada Vila Maria Luísa), em Xabregas, zona ribeirinha oriental de Lisboa de habitações económicas de arrendamento, destinadas aos operários das fábricas vizinhas.
De salientar que, por mera razão economicista, não foram acrescentados aos novos topónimos da Benfeita uma breve legenda que os caracterizasse, ou qualquer outra explicação que permitisse um melhor entendimento sobre a razão da homenagem prestada como, por exemplo, e no caso presente: "Famoso leiloeiro da Benfeita, nascido em 1862". Mas, tal omissão, embora lamentável, é habitual e muito frequente em todo o lado! As alcunhas, na Benfeita! A mania das alcunhas é por demais evidente na Benfeita, onde, até na atribuição de uma placa toponímica, se ignorou o verdadeiro nome da pessoa que se quis homenagear e a "Travessa do Algaça" não é um caso único, temos ainda, o "Beco do Quinta-Feira" e o "Beco da Gorda", por exemplo. Para além de uma provável justificação cultural para o facto (que me escapa), este costume de colocar alcunhas em toda a gente já vem de longe e, como se vê acima, nem os cães escapavam! A motivação toponímica revelada nesta placa até poderá pretender contribuir para preservar esta tradição popular recuperando a memória do povo pelo gosto da alcunha; mas, será isso um "bom hábito" a preservar? Ver também: |
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