Caqueirada de Amor!
Por: ARTUR NUNES
DA COSTA
O tempo passa e os costumes esmorecem
mas, na minha memória, surgem flashes ligados à minha
infância e à fase mais inesquecível da vida de um jovem, o Carnaval!
Ao tempo, era hábito pregar partidas
às pessoas de quem pouco se gostava e também àquelas por quem
se nutria alguma simpatia. Fosse qual fosse a situação, quando
alguém decidia partir para as "caqueiradas", utilizavam-se
cântaros de barro ou pequenos potes que se atiravam para dentro
das casas das pessoas visadas, por forma a criar o máximo de
constrangimento e barulheira. No primeiro caso, colocavam-se
dentro dos recipientes cacos de telhas velhas, bocados de tijolo
ou pedras e, no segundo caso, postas de bacalhau, rebuçados,
figos secos ou nozes.
Naquele mês de Agosto, o Ângelo
havia decidido pregar uma partida à família daquela por quem,
dia a dia, crescia um sentimento afectuoso difícil de controlar;
mas, tinha de ser uma partida amigável!
Na mata da Teixogueira, os castanheiros apresentavam uma farta
produção e o Ângelo conseguiu colher dois sacos cheios de enormes
ouriços. As castanhas tinham um aspecto magnífico; mas, como
ainda faltavam quase seis meses para o Entrudo, o Ângelo resolveu
enterrá-las na terra, envolvidas em palha, dentro de uma serapilheira.
Quando o tempo chegou, o Ângelo
desenterrou o seu "tesouro", poliu as cascas das castanhas,
uma a uma, com um pano de linho, e introduziu-as no cântaro
que tinha comprado para o efeito e cujo último destino seria
ficar desfeito em cacos aos pés da sua amada.
Chegada a noite tão esperada, o Ângelo, de pote ao ombro, fez
soar várias vezes a aldraba da porta da casa, aguardando agachado
na sombra que alguém a abrisse. Finalmente, aquela que viria
a ser a sua sogra, abriu-lhe a porta ao mesmo tempo que, no
andar de cima, alguém abria sorrateiramente uma janela.
Sentindo o campo livre, o Ângelo gritou: "lá vai disto!" e atirou
o pote com as castanhas para dentro da casa, enquanto que, sobre
a sua cabeça alguém gritava: "água vai" e lhe despejava um balde
de água, em cima, ao mesmo tempo que a dona da casa lhe fechava
a porta na cara e ria, por considerar vingada a partida recebida.
No dia seguinte, aquela que viria
a ser a sua amada esposa, veio agradecer as castanhas e pedir
desculpas ao Ângelo que, só a troco de um beijo, disse, as aceitaria.
O beijo aconteceu e o amor nasceu e permaneceu entre ambos até
ao resto dos seus dias.
ANC
25/04/2016
|