HISTÓRIAS DO "MANETA" |
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As "bruxas" enfeitiçadas |
Título:
O "Maneta" |
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Em pequeno, na fábrica de palitos de enxofre do "Tanque" que pertencia a seu pai, numa brincadeira de crianças que o marcou para sempre, afiada machadinha lhe decepou dois dedos, e para toda a vida lhe acrescentou ao nome de baptismo a alcunha de "Maneta". Baixo, entroncado e forte, de farto bigode de pontas caídas, olhar vivo e gestos decididos, o "Maneta", que durante largos anos bebeu com prazer e abundância, até ao excesso, o belo sumo de uva, tinha a palavra fácil e a imaginação fecunda. Fora curtas estadias no Porto e em Lisboa, onde tinha família, viveu quase sempre na Benfeita, numas casas amplas e bem situadas, a meio da encosta do "Oiteiro", com pátio e forno de cozer pão, que deitavam para a curva da rua, no sítio onde a longa levada das Almotaçerias atravessa para os Loureiros, a fim de mitigar, com a linfa revigoradora da sua água cantante, a sede estival dos milheirais. Contavam-se dele aventuras espantosas, histórias aterradoras de bruxas, lobisomens, ou ladrões, que punham as velhas a benzerem-se, aterradas, e a miudagem boquiaberta e de olhos arregalados, medrosa e admirada. Uma vez, o "Maneta", vindo sozinho pela Serra abaixo, cerca da meia-noite, a caminho de casa, ouviu, na altura das Extremas Carreiras, grandes e repetidas risadas. Outro qualquer teria tremido dos pés à cabeça, onde os cabelos se lhe teriam ouriçado de pavor! O "Maneta" parou, atento, a certificar-se de onde vinha o som das gargalhadas, e logo se encaminhou, resolutamente, através do pinhal, para o sítio assinalado. Numa pequena clareira, um bando de bruxas dançava e ria! Eram dez ou doze, desgrenhadas, horrendas, horripilantes! - É cabrada brava! - gritou-lhes o "Maneta". Eu já vos digo! E rápido, decidido - contava ele depois - traçando no ar, com a mão mutilada, um signo-saimão, e proferindo umas tantas palavras mágicas, que só ele conhecia, logo ali prendeu as bruxas e as impossibilitou de fugir! E assim as teve prisioneiras o tempo que quis. Bem berravam elas, bem estrebuchavam gritando ameaças tremendas, proferindo pragas e esconjuros ou invocando contra o seu carcereiro os poderes maléficos do demónio, seu dono e protector! Tudo era inútil, porque o "Maneta", que de nada nem de ninguém tinha medo, sentara-se num cômorozito, e divertia-se com o espectáculo, disposto a deixar nascer o Sol. Por fim, as bruxas pactuaram, humilhando-se, envilecidas, chorando, súplices da quebra do feitiço que as constrangia, mas o "Maneta" só as desprendeu, pondo cobro ao seu encantamento, depois delas terem prometido, solenemente, em uníssono, não voltarem a atormentar nenhuma criança da Benfeita, nem perseguirem qualquer pessoa da freguesia! Mário Mathias Um "diabo" de varapau
Uma tarde, o Manuel "Maneta", de regressso não sabemos de onde, demorara-se a conversar na Dreia, numa roda de amigos. Cavaqueava-se e bebia-se; "rodada" para por um, "rodada" oferecida por outro, e depois por um terceiro e um quarto, que não queria ficar de somenos. O Sol já havia desaparecido há muito e a noite começava de adensar-se. - Manuel, são horas - disse alguém - olha que não há
luar e a noite vai ser de breu. Daqui à Benfeita ainda é um bocado, e os
caminhos estão maus. A cavaqueira continuou ainda, mas a evocação do "Diabo" não deixou de impressionar os circunstantes, que, primeiro um, depois outro, foram indo para casa. Às tantas, o "Maneta" despediu-se e, com uma bengalita de vareta de aço forrada de papel, que estava, então, na moda, meteu-se resolutamente ao caminho, assobiando. Desceu até à ribeira, subiu tornejando para a "casa dos colhereiros", benzeu-se em frente às "alminhas" e entrou no túnel formado pelas copas dos castanheiros. A escuridão era ali completa, e profundo o silêncio da noite, só interrompido pelo estalar dos gravetos debaixo dos pés do viandante. Súbito, o "Maneta" ouviu uma voz, uma voz roufenha, medonha, pavorosa! Estacou, olhos dilatados! Ouvidos atentos, ansiosos! E a voz repetiu, arrastadamente: - Ó Manuel, espera aí que eu também vou! E, detrás de um castanheiro, que depois se ficou a chamar "do medo" ou "do Diabo", surgiu um vulto branco, enorme, horrendo, a avançar para a estrada, brandindo um gigantesco e ameaçador varapau, prestes a deslombar o interpelado! Nessa noite, o Manuel Martins chegou a casa muito mais cedo do que contava. Dir-se-ia que teve asas, ou que o seu anjo protector o ajudou a percorrer o resto do caminho! Porque o "Diabo" não foi, porque o "Diabo" ficou na "Barroca da Vinha", pois não teve "pernas" para acompanhar o "Maneta" na corrida. A verdade é que só muito tempo depois o "Maneta" acreditou que aquele vulto medonho, horrendo, alveiro, de voz cavernosa, escalafriante e varapau ameaçador, não fora senão o José Gomes que, cortando caminho pelos matos, lhe saíra à frente naquele preparo, disposto a abater-lhe a prosápia com duas boas arrochadas. Nota: O soito existente na "Barroca da
Vinha" desapareceu totalmente com a "malina" que em toda a
região deu nos castanheiros. O local está hoje completamente diferente do
que era quando ocorreu a aventura, verdadeira, que fica descrita, não só
pela falta dos castanheiros que ensombravam o caminho e o tornavam tétrico
de noite, mas também porque sobre este veio a construir-se a "estrada
de macadame". Mário Mathias |
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