HISTÓRIAS  DA  NOSSA  TERRA

Título: Um terrível Javalicão!
Autor: Miguel Alves
Data: 19/03/2010

Embora não tenha raízes familiares na Benfeita considero-me "adoptado" pela terra. Nasci em Coimbra mas desde muito novo que parte das minhas férias de Verão eram passadas em casa do Sr.Manuel Simões e esposa, a DªIsaura. De facto eu e o neto deles, o Ricardo Simões, somos como irmãos pelo que sempre fui muito bem recebido pela sua família, assim como por todas as pessoas da aldeia. Sentia-me em casa, como se fizesse parte de tão simpática gente e, também, como se fosse filho da terra. Foram, sem dúvida, bons momentos da minha vida.

Certo dia, por altura das festas da aldeia, eu e o Ricardo, ambos na faixa dos 15-16 anos de idade, almoçámos em casa de uns familiares seus, nos Pardieiros. De entre os muitos e variados assuntos, ouvimos histórias sobre javalis e outros animais que habitavam a zona da Mata da Margaraça.
Algumas horas depois já as histórias dos “porquinhos selvagens”, que chegam a pesar mais de 300 kgs., tinham sido esquecidas e, chegados ao fim da festa, já de madrugada, eu, o Ricardo e o Pedro, também conhecido por Russo, bebemos a última rodada de cerveja e lá nos metemos a fazer a gloriosa caminhada de regresso à Benfeita. Estava uma noite de Verão excelente e a luz da Lua-cheia permitia termos uma razoável visibilidade do caminho.

Muito cantámos e muito nos rimos durante o percurso. A descida para a Fraga da Pena foi fácil, mas, a subida para a Senhora das Necessidades já começava a pesar quando o Russo, que vinha um pouco mais atrasado, corre para nós aflito gritando assustado por causa de um barulho estranho que tinha ouvido vindo na mata. Eu gritei: "Calma, malta!" e, em silêncio, tentámos perceber o motivo que tinha causado tamanho susto ao Russo e começámos a ouvir uma restolhada vinda da mata sem que conseguíssemos identificar a sua origem. A meio do suspense, e por brincadeira, eu disse baixinho: “É um javali, malta!”. E a malta gritou assustada pensando que eu tinha visto um monstro igual ao das histórias contadas depois do almoço e desataram a correr, aos gritos. Vendo isso eu também me assustei, pensando que eles tinham visto alguma coisa semelhante e, como desvairados, corremos todos em direcção à Benfeita.

O ruído que fazíamos na estrada com os nossos passos, a nossa voz alterada e a nossa respiração ofegante, aliados ao efeito de uns copitos a mais e à nossa jovem e fértil imaginação levou-nos a crer que o bicho nos perseguia ameaçando-nos com as suas pontas afiadas e, quanto mais corríamos, mais o barulho parecia aumentar, até que saiu da mata para a estrada, alguns metros atrás de nós.
Então, no intervalo dos nossos gritos, pareceu-nos ouvir que o tropel do nosso perseguidor já nos era algo familiar. Mesmo com a nossa total inexperiência em bichos do mato aquele barulho não parecia ser feito por cascos de um bicho que podia ser tão pesado e abrandámos ligeiramente a corrida até que o nosso perseguidor desatou a ladrar furiosamente.

O facto de termos tomado consciência que, afinal, podíamos estar a ser ameaçados pelos dentes afiados de um rafeiro raivoso, não nos sossegou mesmo nada e ainda acelerámos mais a corrida, estrada abaixo.
Quase a chegar à placa da Benfeita, perto da Ponte do Cabo, para nossa surpresa, apercebemo-nos que o nosso perseguidor corria e ladrava ao nosso lado, aos saltos, com a língua de fora e aparentemente satisfeito por nos ter alcançado.
Rimo-nos muito e a boa disposição voltou a tomar conta de nós. Respirámos de alívio abraçados à placa da Benfeita que até beijinhos recebeu.

Já descansados dirigimo-nos para casa onde bebemos mais uns copitos em honra do terrível Javali-cão pois, com aquela adrenalina toda, era díficil pensar em dormir.
Durante muitos anos recordámos este episódio com alegria e muito nos rimos à custa do terrível monstro mutante que tanto nos assustou.

Desta escapámos, mas cuidado, dizem que o tal monstro, de enormes caninos e pêlo hirto, existe mesmo. Portanto, ó jovens corajosos e boémios, o bicharoco pode estar por lá e, em qualquer noite de Lua-cheia, poderá atacar-vos! Ah-ah!

Miguel Alves
Coimbra

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