HISTÓRIAS DA NOSSA TERRA |
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Título: Recordar é viver |
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Dizem que, depois de uma certa idade, as pessoas têm tendência para se recordarem das coisas do passado. Tenho de concordar com isso pois sempre fui uma pessoa que viveu o dia-a-dia, tocando a vida para a frente sem olhar muito para trás e, ultimamente, ponho-me a pensar no tempo que já lá vai, umas vezes com pena, outras com saudade. Será que, por ser mais nova, a vida tinha outro sabor? Embora eu seja nascida e criada na cidade do Porto, a minha avó Sãozinha era natural da Benfeita, terra onde durante largos anos passei as minhas férias. As saudades que eu tenho desses tempos em que ia para a Fonte das Moscas comer o divinal pão com queijo, assistir às desfolhadas com cantares ao desafio ou para as festas no Areal! Só poderá dar valor a isso quem por lá passou! Sou da Benfeita, sim, de alma e coração! Quantas histórias e lembranças me assaltam... Como acontecia durante vários anos, a minha família ia passar as festas de Verão à Benfeita, teria eu 12 anos de idade, e por lá ficávamos uns dias. Escusado será dizer que era sempre uma altura bem-vinda de descontração, com uma vivência diferente da diária do Porto, onde nós morávamos. Tínhamos mais liberdade e os nossos pais deixavam-nos andar à solta (a mim e à minha irmã, cinco anos mais velha do que eu), na companhia dos nossos primos que rondavam as nossas idades.
Certo dia de calor, os nossos primos Arlindo e Alfredo que iam visitar e passar a tarde com a tia Ressurreição, a Travasso, desafiaram-nos a fazer-lhes companhia. Diziam que era um lugar próximo e que era só atravessar a mata a pé, e que, num instante, lá chegaríamos. Os nossos pais deixaram-nos ir e prepararam-nos um lanche para o caminho (pão cozido no forno de lenha e queijo, feito pela tia Dorinda) e todos eufóricos lá nos metemos ao caminho. Mas, os malandrecos, como todos os jovens dessa idade,
resolveram divertir-se à custa das duas “tansinhas” da cidade e levaram-nos
pelo caminho do cemitério e logo por ali começaram a contar-nos histórias
sobre fantasmas e lobisomens. Diziam-nos, em tom sinistro e olhar
amedrontado, para termos cuidado pois aqueles lugares eram propícios
a que as almas do purgatório que não estivessem em paz, aparecessem
a quem por lá passasse.
Atravessámos um bosque que parecia não ter fim (especialmente para quem estava com medo e não estava habituada a andar por esses caminhos), e onde se ouviam os barulhos mais estranhos, como galhos que se partiam como que pisados por alguém e o vento soprando através da folhagem que fazia lembrar a respiração dalgum animal. Nunca soube se fizemos o caminho directo ou se andámos às voltas. Levaram-nos à “Fonte da Fome”, porque a sede e o medo já apertavam as nossas gargantas. Esta fonte, diziam, era conhecida por ter poderes curativos e milagreiros; mas, quem dela água bebesse, logo ficaria com fome! E ficámos logo famintos (graças ao poder da sugestão, ao cheirinho do farnel e ao tempo a que já estávamos a andar); mas não houve problema porque com o lanche preparado pelas nossas mães e as nozes que íamos apanhando pelo caminho, a fome num instante desapareceu. Quando chegámos ao nosso destino recolhemos, imediatamente, todo aquele medo e cansaço porque, para nossa surpresa, os nossos pais já lá estavam à nossa espera pois tinham resolvido ir ter connosco, de carro, e assim fazerem, também, uma visita à tia Ressurreição. No caminho de regresso, já de automóvel, não houve histórias de fantasmas, lobos ou lobisomens e nunca contámos nada daquilo que tínhamos passado na viagem de ida, pois tínhamos prometido não abrir a boca, não fosse acontecer algo terrível. Na dúvida, achámos que mais valia prevenir do que remediar. O tempo passou e o dia-a-dia da vida fez-me esquecer por completo aquela aventura de Verão, vindo-me à memória quando li as histórias do Site
da Benfeita. O que não terão troçado de nós aqueles dois pestinhas! Bons velhos tempos! |
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