HISTÓRIAS  DA  NOSSA  TERRA

Título: Recordar é viver
Autor: Maria Arlete Ramos
Data: 03/01/2010

Maria Arlete Ramos

Dizem que, depois de uma certa idade, as pessoas têm tendência para se recordarem das coisas do passado. Tenho de concordar com isso pois sempre fui uma pessoa que viveu o dia-a-dia, tocando a vida para a frente sem olhar muito para trás e, ultimamente, ponho-me a pensar no tempo que já lá vai, umas vezes com pena, outras com saudade. Será que, por ser mais nova, a vida tinha outro sabor?

Embora eu seja nascida e criada na cidade do Porto, a minha avó Sãozinha era natural da Benfeita, terra onde durante largos anos passei as minhas férias. As saudades que eu tenho desses tempos em que ia para a Fonte das Moscas comer o divinal pão com queijo, assistir às desfolhadas com cantares ao desafio ou para as festas no Areal! Só poderá dar valor a isso quem por lá passou! Sou da Benfeita, sim, de alma e coração! Quantas histórias e lembranças me assaltam...

Como acontecia durante vários anos, a minha família ia passar as festas de Verão à Benfeita, teria eu 12 anos de idade, e por lá ficávamos uns dias. Escusado será dizer que era sempre uma altura bem-vinda de descontração, com uma vivência diferente da diária do Porto, onde nós morávamos. Tínhamos mais liberdade e os nossos pais deixavam-nos andar à solta (a mim e à minha irmã, cinco anos mais velha do que eu), na companhia dos nossos primos que rondavam as nossas idades.

Verão de 1963!
Em pé: Arlete, Arlindo, tia Ressurreição, Conceição e Alfredo
Sentado: Orlando

Certo dia de calor, os nossos primos Arlindo e Alfredo que iam visitar e passar a tarde com a tia Ressurreição, a Travasso, desafiaram-nos a fazer-lhes companhia. Diziam que era um lugar próximo e que era só atravessar a mata a pé, e que, num instante, lá chegaríamos.

Os nossos pais deixaram-nos ir e prepararam-nos um lanche para o caminho (pão cozido no forno de lenha e queijo, feito pela tia Dorinda) e todos eufóricos lá nos metemos ao caminho.

Mas, os malandrecos, como todos os jovens dessa idade, resolveram divertir-se à custa das duas “tansinhas” da cidade e levaram-nos pelo caminho do cemitério e logo por ali começaram a contar-nos histórias sobre fantasmas e lobisomens. Diziam-nos, em tom sinistro e olhar amedrontado, para termos cuidado pois aqueles lugares eram propícios a que as almas do purgatório que não estivessem em paz, aparecessem a quem por lá passasse.
Olhavam para todos os lados, desconfiados, como que à espera do que pudesse aparecer e, de vez em quando, desapareciam, alternadamente, sempre alertando-nos que aquele bosque era habitado por lobos que, quando esfomeados, atacavam os incautos viajantes. Perguntavam-nos se ouvíamos a coruja a piar e que isso era sinal que alguém estava a morrer e também iam relembrando um ao outro, acontecimentos passados aterrorizantes de que ninguém falava na aldeia, para não atrair os maus-olhados.

Bichos do mato!

Atravessámos um bosque que parecia não ter fim (especialmente para quem estava com medo e não estava habituada a andar por esses caminhos), e onde se ouviam os barulhos mais estranhos, como galhos que se partiam como que pisados por alguém e o vento soprando através da folhagem que fazia lembrar a respiração dalgum animal. Nunca soube se fizemos o caminho directo ou se andámos às voltas.

Levaram-nos à “Fonte da Fome”, porque a sede e o medo já apertavam as nossas gargantas. Esta fonte, diziam, era conhecida por ter poderes curativos e milagreiros; mas, quem dela água bebesse, logo ficaria com fome! E ficámos logo famintos (graças ao poder da sugestão, ao cheirinho do farnel e ao tempo a que já estávamos a andar); mas não houve problema porque com o lanche preparado pelas nossas mães e as nozes que íamos apanhando pelo caminho, a fome num instante desapareceu.

Quando chegámos ao nosso destino recolhemos, imediatamente, todo aquele medo e cansaço porque, para nossa surpresa, os nossos pais já lá estavam à nossa espera pois tinham resolvido ir ter connosco, de carro, e assim fazerem, também, uma visita à tia Ressurreição.

No caminho de regresso, já de automóvel, não houve histórias de fantasmas, lobos ou lobisomens e nunca contámos nada daquilo que tínhamos passado na viagem de ida, pois tínhamos prometido não abrir a boca, não fosse acontecer algo terrível. Na dúvida, achámos que mais valia prevenir do que remediar.

O tempo passou e o dia-a-dia da vida fez-me esquecer por completo aquela aventura de Verão, vindo-me à memória quando li as histórias do Site da Benfeita. O que não terão troçado de nós aqueles dois pestinhas! Bons velhos tempos!

Maria Arlete Carvalho Soares de Pinho Ramos
Ovar

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