HISTÓRIAS  DA  NOSSA  TERRA

Título: Bruxas e Lobisomens
Autor: Vivaldo Quaresma
Data: 12/06/2008

Nos tempos em que não havia televisão, internet, telefones e telemóveis na Benfeita, falava-se, entre outras coisas, em bruxas, lobisomens e almas penadas, passando-se histórias antigas, de pais para filhos, de avós para netos, de tios para sobrinhos, de primos para primas... à noite, ao serão. Era o convívio familiar!

Estava-se em plena década de cinquenta e, na aldeia, ainda não existia, sequer, a luz eléctrica. Nas noites de lua cheia, para quem andava ao relento, era a altura mais propícia para se evocarem esses contos que nos faziam tremer na nossa inocência. Pura imaginação e muita ignorância.

Da sombra que a luz da Lua fazia, brotavam imagens medonhas e as moitas transformavam-se em monstros pavorosos que, a par com o piar das corujas, cortavam a respiração aos mais afoitos.

Enroscados em grossas mantas, nas noites frias, ficávamos à espera de ouvir alguém bater ou raspar à porta, por cujas frinchas o vento assobiava mansamente, com a aldeia já aquietada, num daqueles momentos em que, inexplicavelmente, se ouve o silêncio e os miúdos se entreolham, à luz trémula do candeeiro a petróleo, inquietos e contrafeitos.

Essa era outra altura ideal para se falar de bruxas (salvo seja...), daquelas que se deslocavam montadas no cabo de uma vassoura mágica, faziam poções maléficas, envenenavam as pessoas ou as transformavam em sapos. A Benfeita era fértil em sapos gordos, enormes, nojentos... "almas penadas" que quase nos perseguiam, aos saltos, quando à noite fugíamos para o areal.

Nas nossas histórias, muitas vezes, as bruxas não tinham nome; por isso se associavam a imagens, como: sombras, noite, solidão, perigo, morte, cemitério, doença, feitiço, quebranto, mau-olhado, poções mágicas, etc.

Uma história que me lembro de ter ouvido aos mais velhos e depois ter contado às miúdas da minha idade, já com uns pozinhos de perlim-pim-pim à mistura, que as deixavam arrepiadas, falava de uma bruxa que corria atrás dos miúdos que lhe chamavam "bruxa preta", rogando-lhes pragas e ameaçando-os com uma enorme colher de pau. Esta história deve ter sido inventada para instalar nas crianças o medo pelo contacto com estranhos ou de falar a pessoas desconhecidas.

Outra história que os adultos contavam (provavelmente para obrigarem os miúdos a dormirem com a janela fechada e bem tapadinhos para evitarem os resfriados nocturnos) falava de uma bruxa que, à noite, entrava pela janela e mordia os calcanhares dos miúdos que estivessem descobertos, deixando-lhes marcas escuras no corpo.

Estas histórias podiam aterrorizar as crianças; mas, naquele tempo, essa era a forma que os mais velhos tinham para transmitir aos mais novos os perigos que eles podiam enfrentar quando estavam longe do seu cuidado. Era fácil dizer a uma criança que ia sozinha para a escola, por montes e vales: "não saias da estrada porque há bruxas na mata". Quem diz bruxas, diz lobos! Quem não entende isto?

Hoje, os tempos são outros e, embora a maioria das crianças já não se desloque a pé para a escola, os perigos ainda são os mesmos porque as "bruxas" e os "lobos" continuam a existir, mesmo nas cidades, só que lhes mudaram os nomes. Modernamente fala-se de pedófilos; comerciantes de seres humanos e de órgãos; traficantes de droga, toxicodependentes e drogados; terroristas; sequestradores; estupradores; violadores; pornógrafos, etc... Será que as crianças entendem o significado destes nomes? Porquê "chamar os bois pelos nomes" se, ao fim e ao cabo, são todos "lobos" que atacam crianças?

Mas, havia outro tipo de "bruxas", menos preversas, as bruxas dos adultos. As "nossas bruxas" da aldeia dedicavam-se ao curandeirismo, e as poções que faziam destinavam-se a curar maleitas e enfermidades, com unguentos e algumas rezas e benzeduras pelo meio e, quem as visitava, procurava sempre obter bons resultados; isto é, o bem para si ou para outrem. 

Algumas, até tinham poderes de "adivinhação"! Mas, em todos os tempos, sempre houve gente com boas intenções e os oportunistas sem escrúpulos. E já se dizia naquele tempo que "em terra de cegos quem tem um olho é rei".

Nos tempos que correm, as crianças já não acreditam nem em bruxas montadas em vassouras mágicas, castigando os meninos desobedientes; nem no Pai Natal conduzindo um trenó puxado por velozes renas e distribuindo presentes aos meninos bem comportados. Isso, dizem elas, são invenções da televisão!

Crenças, Rezas e Benzeduras

Na nossa aldeia, situada numa zona montanhosa de difícil acesso, longe de tudo e de todos, as pessoas acreditavam que as rezas e as orações as podiam proteger dos mais diversos males.

De entre as crenças e superstições mais conhecidas, destacamos algumas:

  • Se numa família nascessem sete mulheres, sem que nascesse um homem pelo meio dizia-se que, ou a sétima ou a primeira, seria bruxa. Para que isso não acontecesse, a mais velha deveria baptizar a mais nova.

  • Outra crença era a existência de lobisomens, que era o nome dado a uma criatura que em noites de lua cheia se transformava em lobo e vagueava à procura de alguém que pudesse atacar. Por essa razão se dizia que não era aconselhável sair nessas noites.

  • Dizia-se também que não se devia brincar com a própria sombra, porque podia provocar doenças.

  • Também não se deviam contar as estrelas porque fazia aparecer verrugas.

  • Quando apareciam borboletas em volta da luz, dizia-se que eram bruxas.

  • No caso de se matar algum gato preto seguir-se-iam sete anos de azar na vida.

  • Quem quebrasse um espelho teria sete anos de azar; mas, se ainda por cima, se admirasse nele quebraria a própria alma. Também ninguém se podia olhar num espelho à luz de velas ou permitir que outra pessoa se olhasse ao mesmo tempo.

  • Passar por debaixo de uma escada pode trazer má sorte; mas quem já tiver má sorte e passar debaixo de uma escada quebra o azar no mesmo instante.

  • Colocar uma vassoura com o cabo para baixo atrás de uma porta faz as visitas indesejáveis irem embora. A vassoura deve ser guardada na posição vertical para evitar desgraças. Crianças que montarem em vassouras serão infelizes. Varrer a casa à noite acaba com a tranquilidade no lar.

  • Dar um nó, com uma gravata, numa perna da mesa da sala, faz aparecer um objecto perdido (não roubado), se pertencer a um homem, ou com um lenço se pertencer a uma mulher.

As orações, rezas ou benzeduras, eram também remédio para o tratamento de muitos problemas que afectavam os nossos antepassados.

Com o passar dos anos perderam um pouco a sua utilização mas, actualmente, ainda há quem acredite na força das benzeduras e orações, defumadouros e outros tratamentos para curarem as suas maleitas.

Eis algumas rezas fáceis de realizar:

MAU OLHADO

Um dos males mais temidos era o mau-olhado. Dizia-se que uma pessoa tinha mau olhado quando andasse sonolenta, sem alegria, sem forças e com dores de cabeça.
O mau olhado podia ser lançado sobre um pessoa apenas com um olhar algumas vezes de forma inconsciente, mas quase sempre por inveja ou por maldade.
Para evitar que isso acontecesse, as pessoas protegiam-se fazendo figas ao passarem junto de pessoas de quem desconfiassem ou usando protecções, de preferência previamente benzidas: medalhas, figas, cruzes, cornichos, sino-saimão, etc.

No entanto, quando a pessoa apanhasse a doença, o tratamento fazia-se utilizando um prato com água onde se fazia uma cruz e com um dedo molhado em azeite deixavam-se cair as gotas no prato até que elas caíssem redondinhas. Se o azeite se espalhasse, a pessoa tinha quebranto (mau olhado), se isso não acontecesse, a pessoa não sofria desse mal. Em caso afirmativo, rezava-se uma das seguintes orações contra o quebranto:

"Dois to deitaram, três to tiraram,
Foram as três pessoas da Santíssima Trindade
Que são o Pai, o Filho e o Espírito Santo.
Amén."

Ou

"Enleado seja quem te enleou.
Acanhado seja quem te acanhou.
Amarrado seja quem te amarrou.
Embruxado seja quem te embruxou.
Invejado seja quem te invejou,
Em louvor da Nossa Senhora
E do Santíssimo Sacramento,
Que este mal vá para fora
E venha o bem para dentro.
Assim como a Virgem é pura
Assim tira o mal a esta criatura.
O sol nasce na serra e põe-se no mar
De onde este mal veio há-de para lá voltar."

Repete-se a oração até o azeite cair em forma circular.


COBRÃO

O Cobrão era uma doença de pele, hoje conhecida pelo nome de Zona, e manifestava-se sob a forma de borbulhas que provocam muita comichão e dores.

Dizia-se que aparecia devido a alguns bichos rastejantes (cobras, osgas, lagartos ou lagartixas ) passarem sobre a roupa que se encontrava a secar e lá deixarem a sua peçonha (veneno) que depois provocava a doença.

Para tratamento "cortava-se" o cobrão rezando:

"O que corto coxa, coxão, lagarto, lagartão,
Bichos de má nação.
Que não cresça, nem apareça.
Que não junte rabo com cabeça."

Ou

"Eu te corto “cobrão”, rabo, cabeça e coração,
para que não medres mais neste corpo cristão,
em louvor de São Julião, Santo Antão e São João,
que ponha este corpo são com um Pai Nosso,
Uma Avé Maria e um Sagrado morte de paixão."

Pai Nosso e Avé Maria.

Ou

"Eu te corto, eu te retalho,
Se és Cobra ou cobrão,
Sapo ou sapão, unha ou aranhão,
Bicho de má nação
Eu te corto cabeça e rabo
Eu te corto o coração.
Em louvor de São Silvestre
Que corte a cabeça à víbora
E o coração ao leão,
Em louvor da Virgem Maria,
Pai Nosso e Avé Maria."

A feiticeira

De farrapos coberta e o olhar imerso
Nas brasas da lareira,
Lançava contas ao seu fado adverso
A velha feiticeita!

Do tempo antigo às lúcidas lembranças
Para que deitar conta,
Se até na rua as tímidas crianças
A alcunhavam de tonta?

Vivia num pardieiro, abandonada,
Tão só e desvalida,
Que só pedia a Deus, a desgraçada,
Que lhe tirasse a vida!

«Divino senhor meu, pois que não tenho
Ninguém que por mim seja,
Que o teu amor na luta em que me empenho
Me ampare e me proteja!»

E então a octogenária, a pobre velha,
Seguindo o seu fadário,
Coberta d'alva touca a alva guedelha,
Tomava o seu rosário!

Outras vezes enquanto seroava,
Na treva em que jazia,
Desatava a chorar; tanto chorava
Que enfim adormecia!

Então à meia-noite disfarçado
Vinha Lusbel de chofre!...
Tinham-no visto andar pelo telhado,
Até cheirava a enxofre!

Por isso o seu olhar dava quebranto!
Que feia cara a sua!
Todos fugiam dela com espanto,
Se a topavam na rua!

Um dia foram dar com ela morta
Na lareira apagada;
Abriram-lhe uma cova ao pé da porta
E ali foi enterrada.

Agora quando alguém por ali passa,
Por alta noite escura,
Ainda de Lusbel a sombra esvoaça
Na rasa sepultura!

 

Simões Dias
in "Peninsulares"

Veja também:
Belisária - Conto online de J.Simões Dias

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