Nos
tempos em que não havia televisão, internet, telefones e
telemóveis na
Benfeita, falava-se, entre outras coisas, em bruxas, lobisomens e almas penadas,
passando-se histórias antigas, de pais para filhos, de avós para
netos, de tios para sobrinhos, de primos para primas... à noite, ao
serão. Era o convívio familiar!
Estava-se em plena década de cinquenta e, na aldeia,
ainda não existia, sequer, a luz eléctrica. Nas noites de
lua cheia, para quem andava ao relento, era a altura mais propícia para se evocarem esses contos
que nos faziam tremer na nossa inocência. Pura imaginação e muita
ignorância. Da sombra que a luz da Lua fazia, brotavam imagens medonhas
e
as moitas transformavam-se em monstros pavorosos que, a
par com o piar das corujas, cortavam a respiração aos mais afoitos. Enroscados
em grossas mantas, nas noites frias, ficávamos à espera de
ouvir alguém bater ou raspar à porta, por cujas frinchas o vento assobiava mansamente, com a aldeia
já aquietada, num daqueles momentos em que,
inexplicavelmente, se ouve o silêncio e os miúdos se entreolham,
à luz trémula do candeeiro a petróleo, inquietos e contrafeitos. Essa
era outra altura ideal para se falar de bruxas (salvo seja...), daquelas que se deslocavam montadas no cabo de uma vassoura
mágica, faziam poções maléficas, envenenavam as
pessoas ou as transformavam em sapos. A Benfeita era fértil em
sapos gordos, enormes, nojentos... "almas penadas" que quase nos
perseguiam, aos saltos, quando à noite fugíamos para o areal. Nas
nossas histórias, muitas vezes, as bruxas não tinham nome; por isso se
associavam a imagens, como: sombras, noite, solidão, perigo, morte, cemitério,
doença, feitiço, quebranto, mau-olhado, poções mágicas, etc. Uma história que me lembro de ter ouvido aos mais velhos e depois
ter contado às miúdas da minha idade, já com uns pozinhos de
perlim-pim-pim à mistura, que as deixavam arrepiadas, falava de uma
bruxa que corria atrás dos miúdos que lhe chamavam "bruxa
preta", rogando-lhes pragas e ameaçando-os com uma enorme colher de
pau. Esta história deve ter sido inventada para instalar nas
crianças o medo pelo contacto com estranhos ou de falar a pessoas
desconhecidas. Outra história que os adultos
contavam (provavelmente para obrigarem os miúdos a dormirem com a
janela fechada e bem tapadinhos para evitarem os resfriados
nocturnos) falava de uma bruxa que, à noite, entrava pela
janela e mordia os calcanhares dos miúdos que estivessem descobertos, deixando-lhes
marcas escuras no corpo. Estas histórias podiam
aterrorizar as crianças; mas, naquele tempo, essa era a forma que
os mais velhos tinham para transmitir aos mais novos os perigos que
eles podiam enfrentar quando estavam longe do seu cuidado. Era
fácil dizer a uma criança que ia sozinha para a escola, por montes
e vales: "não saias da estrada porque há bruxas na
mata". Quem diz bruxas, diz lobos! Quem não entende isto? Hoje, os tempos são outros e, embora
a maioria das crianças já não se desloque a pé para a escola, os perigos ainda são os mesmos porque
as "bruxas" e os "lobos" continuam a existir, mesmo nas
cidades, só que lhes mudaram os nomes. Modernamente fala-se de
pedófilos; comerciantes de seres humanos e de órgãos; traficantes
de droga, toxicodependentes e drogados; terroristas; sequestradores;
estupradores; violadores; pornógrafos, etc... Será que as
crianças entendem o significado destes nomes? Porquê "chamar os bois pelos
nomes" se, ao fim e ao cabo, são todos "lobos" que
atacam crianças? Mas,
havia outro tipo de "bruxas", menos preversas, as bruxas
dos adultos. As "nossas bruxas" da aldeia dedicavam-se ao curandeirismo, e as poções que
faziam destinavam-se a curar maleitas e enfermidades, com unguentos
e algumas rezas e benzeduras pelo meio e, quem as visitava,
procurava sempre obter bons resultados; isto é, o bem para si ou
para outrem. Algumas, até tinham poderes de
"adivinhação"! Mas, em todos os tempos, sempre houve
gente com boas intenções e os oportunistas sem escrúpulos. E
já se dizia naquele tempo que "em terra de cegos quem tem um
olho é rei". Nos
tempos que correm, as crianças já não acreditam nem em bruxas
montadas em vassouras mágicas, castigando os meninos desobedientes;
nem no Pai Natal conduzindo um trenó puxado por velozes renas e distribuindo
presentes aos meninos bem comportados. Isso, dizem elas, são invenções
da televisão! Crenças, Rezas e Benzeduras
Na nossa aldeia, situada numa zona montanhosa de
difícil acesso, longe de tudo e de todos, as pessoas acreditavam que as rezas e as orações
as podiam proteger dos mais diversos males.
De entre as crenças e superstições mais conhecidas, destacamos algumas:
-
Se numa família nascessem sete mulheres, sem que nascesse um
homem pelo meio dizia-se que, ou a sétima ou a primeira, seria bruxa. Para que isso não acontecesse, a mais velha deveria
baptizar a mais nova.
-
Outra crença era a existência de lobisomens, que era o nome
dado a uma criatura que em noites de lua cheia se transformava em
lobo e vagueava à procura de alguém que pudesse atacar.
Por essa razão se dizia que não era aconselhável sair nessas
noites.
-
Dizia-se também que não se devia brincar com a própria
sombra, porque podia provocar doenças.
-
Também não se deviam contar as estrelas porque fazia aparecer
verrugas.
-
Quando apareciam borboletas em volta da luz, dizia-se que eram
bruxas.
-
No caso de se matar algum gato preto seguir-se-iam sete anos de azar
na vida.
-
Quem quebrasse um espelho teria sete anos de
azar; mas, se ainda por cima, se admirasse nele quebraria a
própria alma. Também ninguém se podia olhar num espelho à
luz de velas ou permitir que outra pessoa se olhasse ao mesmo
tempo.
-
Passar por debaixo de uma escada pode trazer
má sorte; mas quem já tiver má sorte e passar debaixo de uma
escada quebra o azar no mesmo instante.
-
Colocar uma vassoura com o cabo para baixo atrás
de uma porta faz as visitas indesejáveis irem embora. A
vassoura deve ser guardada na posição vertical para evitar
desgraças. Crianças que montarem em vassouras serão
infelizes. Varrer a casa à noite acaba com a tranquilidade no
lar.
-
Dar um nó, com uma gravata, numa perna da mesa da sala, faz aparecer
um objecto perdido (não roubado), se pertencer a um homem, ou
com um lenço se pertencer a uma mulher.
As orações, rezas ou benzeduras, eram também remédio para o
tratamento de muitos problemas que afectavam os nossos
antepassados.
Com o passar dos anos perderam um pouco a sua utilização mas,
actualmente, ainda há quem acredite na força das benzeduras e
orações, defumadouros e outros tratamentos para curarem as suas
maleitas.
Eis algumas rezas fáceis de realizar:
Um dos males mais temidos era o mau-olhado. Dizia-se que uma pessoa tinha mau olhado quando andasse sonolenta,
sem alegria, sem forças e com dores de cabeça.
O mau olhado podia ser lançado sobre um pessoa apenas com um
olhar algumas vezes de forma inconsciente, mas quase sempre por
inveja ou por maldade.
Para evitar que isso acontecesse, as pessoas protegiam-se fazendo
figas ao passarem junto de pessoas de quem desconfiassem ou usando
protecções, de preferência previamente benzidas: medalhas,
figas, cruzes, cornichos, sino-saimão, etc.
No entanto, quando a pessoa apanhasse a doença, o tratamento
fazia-se utilizando um prato com água onde se fazia uma cruz e
com um dedo molhado em azeite deixavam-se cair as gotas no prato
até que elas caíssem redondinhas. Se o azeite se espalhasse, a
pessoa tinha quebranto (mau olhado), se isso não acontecesse, a
pessoa não sofria desse mal. Em caso afirmativo, rezava-se uma
das seguintes orações contra o quebranto:
"Dois to deitaram, três to tiraram,
Foram as três pessoas da Santíssima Trindade
Que são o Pai, o Filho e o Espírito Santo.
Amén." Ou
"Enleado seja quem te enleou.
Acanhado seja quem te acanhou.
Amarrado seja quem te amarrou.
Embruxado seja quem te embruxou.
Invejado seja quem te invejou,
Em louvor da Nossa Senhora
E do Santíssimo Sacramento,
Que este mal vá para fora
E venha o bem para dentro.
Assim como a Virgem é pura
Assim tira o mal a esta criatura.
O sol nasce na serra e põe-se no mar
De onde este mal veio há-de para lá voltar."
Repete-se a oração até o azeite cair em forma circular.
O Cobrão era uma doença de pele, hoje conhecida pelo nome de
Zona, e manifestava-se sob a forma de borbulhas que provocam muita
comichão e dores.
Dizia-se que aparecia devido a alguns bichos rastejantes (cobras,
osgas, lagartos ou lagartixas ) passarem sobre a roupa que se
encontrava a secar e lá deixarem a sua peçonha (veneno) que
depois provocava a doença.
Para tratamento "cortava-se" o cobrão rezando:
"O que corto coxa, coxão, lagarto, lagartão,
Bichos de má nação.
Que não cresça, nem apareça.
Que não junte rabo com cabeça."
"Eu te corto “cobrão”, rabo, cabeça e coração,
para que não medres mais neste corpo cristão,
em louvor de São Julião, Santo Antão e São João,
que ponha este corpo são com um Pai Nosso,
Uma Avé Maria e um Sagrado morte de paixão."
"Eu te corto, eu te retalho,
Se és Cobra ou cobrão,
Sapo ou sapão, unha ou aranhão,
Bicho de má nação
Eu te corto cabeça e rabo
Eu te corto o coração.
Em louvor de São Silvestre
Que corte a cabeça à víbora
E o coração ao leão,
Em louvor da Virgem Maria,
Pai Nosso e Avé Maria."
|