JOSÉ  SIMÕES  DIAS

Ilusões


Antigas ilusões, meus sonhos d'oiro,
Tantos sonhos de amor e de ventura,
Que não voltarão mais,
Quem vos levou, meu único tesouro,
Deixando-me perdido em selva escura,
Em luta com meus ais?

Figurei-te no altar de uma esperança,
Como se mão profana ali não fosse
Tocar-te, pomba ideal!
Não me saía nunca da lembrança
O teu sorriso, tão sereno e doce,
Sorriso sem igual!

Agora trevas, trevas, tudo trevas,
Que outra coisa não sei o que é a vida
Para quem não vê luz!
Nem tu, por mais que faças, já me elevas,
A não ser ao calvário onde erguida
Campeia a minha cruz!

Ingénua crença a minha! Eu que julgava
Que nunca o vento adverso apagaria
A luz de tanto amor,
Porquanto era essa luz quem me guiava
Na estrada que, sorrindo, percorria
Sem sombra de temor;

Eu que fantasiei, como em delírio,
Quanto há de belo, quanto de sublime
Num peito virginal,
Curvo-me agora ao peso do martírio,
Como se dobra ao peso da água o vime,
Fementida vestal!

Quisera ainda amar-te como dantes,
Quisera crer em ti, bem que mentiste,
Por meu mal, tanta vez!
Mas para que, se rápidos instantes
Durou essa ilusão amarga e triste
Que em fumo se desfez!

Recordação fatal, quem te apagara,
Que nunca mais pudesse em vida minha
Avivar tanta dor!
Lembranças tristes, más, quem vos levara,
Como levaram a ilusão querida
Desse infeliz amor!

Desfaz-se no ar a sombra à luz da aurora,
Desfaz-se no ar a névoa prenhe d'água
Que no monte esvoaça!
Tudo se apaga e some e se evapora...
Só esta imensa e incomparável mágoa,
Só esta dor não passa!

J.Simões Dias
in: Peninsulares

Simões Dias

Coração doente


Formosa que eu amei, já te não amo;
Mal não te quero, mas amar-te, não!
Se algumas tristes lágrimas derramo,
Por mim as choro, que por ti não são!

E todavia, se o teu peito encerra
Lembrança dum amor que se finou,
Bem sabes tu que nunca, em toda a terra,
Mais firme coração por ti vibrou!

Se foi sob este céu do meio-dia,
Ardente como os olhos duma huri,
Que em plena exuberância de poesia
Meus olhos tristes para os teus abri!

Um coração peninsular não mente;
Se à mulher que adorar disser - sou teu,
É tão capaz de a amar eternamente,
Que por ela despreza o próprio céu!

Assim é que eu te amei, formosa dama,
Ou poderia amar-te, se, afinal,
Quando o vulcão do amor erguesse chama,
Pudesses abraçar-te em chama igual!

Mas tu eras de gelo e neve pura,
A contrastar com este imenso ardor
Dum coração repleto de ternura,
Cheio de fé, a transbordar d'amor!...

Mentir-te agora, para quê, senhora?
Mal não te quero, mas amar-te não!
Se o coração doente ainda chora
Prantos em fio, já por ti não são!

J.Simões Dias
in: Peninsulares