ALMINHAS DA MINHA TERRA
Quem não conhece as alminhas
Dessas estradas da Beira,
Umas pinturas singelas
Num pedaço de madeira?
Almas de nossos parentes,
Almas de nossos avós,
Almas que falam com alma
À alma de todos nós?
Algumas têm por baixo:
Ó vós todos que passais,
Antes que vades além,
Lembrai-vos de vossos pais.
Algumas são malfeitinhas,
(Não soube mais o pintor...)
Que importa a forma do corpo?
Na alma é que está o valor.
Benditas sejam as almas
Da beira do meu caminho!
Enquanto rezo por elas,
Não vou na estrada sozinho.
Algumas têm um alpendre.
São almas hospitaleiras,
Como em geral são as almas
Nas boas terras das Beiras.
Algumas foram roubadas.
(Quem tal acreditaria?)
Ficou a casa por conta.
Padre Nosso e Avé Maria.
Nalgumas almas, coitadas!
Foi-se a pintura que havia.
Que importa? Sempre são almas.
Padre Nosso e Avé Maria.
E há corações de pedra
Cheios de orgulho e ambição
Que passam por estas almas
Sem um ar de compaixão!
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Eu gosto de encontrar almas
À beira de estrada nova
- Triste sinal do progresso,
Que nunca passa da cova.
É pobre a casa das almas,
De adornos, que não de graça,
Não pode estar num palácio
Quem pede esmola a quem passa.
As almas que são bem feitas
Prendem a nossa atenção.
«Rezai pelo nosso autor»,
Dizem-nos elas então.
Tirar agora o chapéu
Neste tempo de invernia...
- A chuva não mata a gente.
Padre Nosso e Avé Maria.
Ir com a cabeça ao sol
Tropical, ao meio dia...
- É por pouco, não faz mal.
Padre Nosso e Avé Maria.
Algumas são tão velhinhas!
Santas avós que Deus tem,
Deus vos admita depressa
Na sua morada. Amen.
Ó almas da minha Beira,
É tão triste andar sozinho!
Sede minhas companheiras
À beira do meu caminho.
[Da Terra ao Céu - 1935]
Padre Augusto Nunes Pereira
Distinto artista plástico
e poeta de bom merecimento que, durante largos
anos, paroquiou a freguesia de Côja,
tendo sido agraciado pela Câmara Municipal
de Coimbra com a medalha de ouro da Cidade,
em 1986.
Ordenado sacerdote em 1929,
faleceu em 1 de Junho de 2001, com 94 anos
de idade.
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