HISTÓRIAS  DA  NOSSA  TERRA

Título: Natureza viva
Autor: Vivaldo Quaresma
Data: 17/08/2001

Capela de S.Bartolomeu

Já há algum tempo planeava visitar a Capela de S.Bartolomeu; pois, como não podia deixar de ser, fazia parte do meu roteiro fotográfico, na Benfeita.
Depois de recolhida a chave da porta, das mãos da responsável pela sua manutenção, reunimo-nos no Areal, depois de almoço, antes da saída. O grupo de 4 pessoas, era composto por: minha mãe, minha prima Graciete, o "ti Mina" e eu. E lá fomos no meu carro, finalmente, a caminho de S.Bartolomeu.

Se não fosse a presença de uma camioneta de peixe que fazia limpeza à carga, na Senhora das Necessidades, teria dito que aquela terra já estava deserta, passadas que foram as breves festas do 15 de Agosto.
Levei o carro até onde o piso de terra batida nos permitiu, tendo conseguido chegar quase até à porta da capela.
O sol intenso de Agosto e as paredes brancas da capela obrigaram-me a colocar, de novo, os óculos escuros, que antes havia tirado para, dali, melhor apreciar a paisagem. Com isso, mal me apercebi da presença de algumas vespas que zumbiam em torno da capela.
Minha mãe ficou sentada à sombra de uma árvore, descansando num providencial banco de xisto, ali colocado, certamente, para as pessoas mais idosas. Enquanto isso, o "ti Mina" abriu a porta da capela e eu preparava o tripé e a máquina, para as fotografias. A Graciete entrou na capela e, compondo a toalha branca de linho que se encontrava desalinhada sobre a pedra do altar do santo, disse-me: "Toma cuidado que isto, aqui, está cheio de abelhas!"

Tirei, então, os óculos e vi as abelhas. E assustei-me a valer: - Gaita! exclamei. Aquilo era um enxame de vespas gigantes, com riscas amarelas e pretas. Enormes! Às dezenas (ou seriam às centenas?)...
Pendente do tecto e agarrado às pinturas, estava um objecto de forma cilíndrica com cerca de 25 cm. de diâmetro que me deixou de boca aberta. O seu rendilhado perfeito e as suas cores harmoniosas em tons suaves, fizeram-me duvidar daquilo que via. Parecia feito de papel de seda (ou seria de cartão?). Perguntei-me porque teria o Carlos da Capela colocado aquilo ali? Mas, os artistas, são assim mesmo... Era simplesmente maravilhoso; um trabalho perfeito e extraordinário. Mas o que estaria ali a fazer? Fosse lá o que fosse estava pejado de vespas que, afanosamente, entravam e saíam dos... favos?!. De repente, tomei consciência de que aquele trabalho não era obra do artista, mas sim de centenas de vespas. E estava bem vivo! Com o coração acelerado lembrei-me, de repente, do nome de um conto da Agatha Christie, que li há muitos anos e que se chama, exactamente, "Ninho de Vespas".
Surpreendido com tão inesperada "descoberta", não sabia o que fotografar primeiro; se a imagem do santo, as pinturas do tecto ou o ninho das vespas. O ninho, embora secundário, era, sem dúvida, o motivo mais interessante e surpreendente de todo o conjunto. Senti, no entanto, que, naquele lugar, não poderíamos ficar por muito mais tempo, sem qualquer protecção contra as vespas. Teria de ser rápido nas fotografias e na fuga!

Enquanto, debruçado sobre o tripé, preparava a máquina para fotografar a imagem do santo, que constituía afinal o tema principal da visita, o "ti Mina" afugentava as vespas que passavam por sobre a minha cabeça, distribuindo bordoada para a esquerda e para a direita, com o seu boné.
Foquei, enquadrei e carreguei rapidamente no botão. A máquina disparou, o flash acendeu-se e a fotografia aconteceu. Porém, eu era o intruso! Num ápice, as fiéis "guardiãs" da capela, surpreendidas e assustadas com o flash da máquina, elegeram uma "kamikaze" que, em voo picado, se precipitou sobre a minha cabeça enterrando bem fundo o seu ferrão, na minha face esquerda, junto ao nariz. Enquanto a dor tomava rapidamente conta de mim, tomei consciência de que as tinha assustado e demorado tempo demais, e que era urgente sair dali para fora.
Recolhido o material fotográfico e fechada a porta da capela, rapidamente, nos pusemos em fuga. A minha mãe nem se tinha apercebido de nada, enquanto, distraída, fazia as suas palavras cruzadas. A Graciete teve a feliz ideia de me espremer a face, tendo conseguido retirar o ferrão da vespa.

Entretanto a minha cara começara já a inchar. Parei o carro na Senhora das Necessidades para lavar a face, com a água fresca do chafariz. A camioneta do peixe ainda lá estava, em limpezas. Pedi-lhes, então, um bocado de gelo e, com ele encostado ao local da picada, comecei a sentir algum alívio da dor.

Vespa de S.Bartolomeu

A Graciete dizia que era melhor irmos ao Centro de Saúde de Coja, pois sabia histórias de pessoas que tinham passado muito mal por conta de picadas de abelha.
Com o pedaço de gelo, encostado à cara, numa mão e o volante na outra, lá seguimos viagem. Deixei o "ti Mina" e a Graciete no Areal, e continuei, com minha mãe, para Coja.

No Centro de Saúde nem me quiseram ver e mandaram-me para as urgências do Hospital de Arganil. Aí chegados, deram-me uma injecção de antistina e aplicaram-me uma pomada anti-histamínica. Contaram-me sobre a reacção violenta das picadas das vespas em certas pessoas com alergia à penicilina e ensinaram-me que algumas picadas de vespa podem ser fatais, dependendo da quantidade de peçonha injectada. Para me assustarem, ainda mais, pois minha mãe é alérgica à penicilina, contaram-me o caso de um indivíduo, de Arganil, que morreu sufocado, depois de ter sido picado por uma ferroada de vespa, na garganta. E, ainda, um outro caso de uma menina que foi picada na língua... Bom, de repente, lembrei-me do filme "Abelhas assassinas" que vi nos anos 70, e fiquei logo mais aliviado. Afinal, aquilo não era nada!

Porque será que nos resignamos com a nossa pouca sorte quando pensamos no infortúnio, ainda maior, de outras pessoas? Com a cara num trambolho, e ainda vermelha, lá regressei à Benfeita, agora mais tranquilo e mais conformado.
O resto das fotografias que planeara tirar teriam de ficar para uma próxima oportunidade.